MESTRE, REPRENDE OS TEUS DISCÍPULOS

   

 

 

“Sabendo primeiramente isto: que ne­nhuma profecia da Escritura é de particular interpretação.” (II Pedro, 1:20.)

 

“É razoável que as interpretações se diferenciem na exposição das afirmativas individuais. Nas letras sagradas, a escada de Jacó não é simbolo inútil. Cada ser des­cortinará o horizonte, segundo a posição em que se encontre na jornada ascendente do Espírito.”

“Ainda que estejamos aparentemente dis­tanciados uns dos outros no setor das defi­nições doutrinárias, encontramo-nos substan­cialmente identificados na mesma realização, porque somos discípulos imperfeitos do mes­mo Mestre e humildes servos do mesmo Senhor.”

 (Mensagem de Bittencourt Sampajo, pelo médium Francisco Cândido Xavier, pu­blicada em “Reformador” de julho de 1946.)

 

 

ESTUDANDO O CAPITULO SÉTIMO de João, vamos encontrar o Senhor em Je­rusalém, depois de ter percorrido a Galiléia. Nos seus cinquenta e três versículos identi­ficamos os mais profundos ensinamentos do Cristo, em meio às gerais murmurações dos fariseus e dos que com eles se achavam inte­grando a multidão. Quase todos lançavam suas definições sobre o Divino Mestre, apre­ciando-o segundo pontos de vista firmados em realidades de duvidosa autenticidade. As autoridades do Sinédrio mandam os guardas prender o Messias, mas eles retornam sem trazê-lo, justificando-se aos sacerdotes do templo: “Jamais homem algum falou como este homem! .. .”  

Em Lucas, analisando as ocorrências da entrada triunfal de Jesus em Jerusalém (19:36 a 40), divisamos as manifestações de alegria da multidão dos discípulos, em altas vozes: ‘Bendito é o rei que vem em nome do Senhor! paz no céu e glória nas maiores alturas!“, mas outras vozes se fizeram igual­mente ouvir: “Mestre, repreende os teus dis­cípulos. Mas ele lhes respondeu: Assegu­ro-vos que, se eles se calarem, as próprias pedras  clamarão.”

Ainda hoje, quase dois milênios após os sucessos que vimos de recordar, há os que louvam e os que negam, os que estudam e os que se abstêm... Não faltam, também, embora poucos, aqueles que se omitem e pos­tulam repreensão aos que estudam e per­quirem.

O Evangelho, em espírito e verdade, é estudado e divulgado no Brasil pela Federa­ção Espírita Brasileira, desde a sua fundação, quando foi mantida orientação idêntica àque­la que já era observada no “Grupo dos Hu­mildes”, mais tarde “Grupo Ismael”, do qual se originou a Casa do Legado do Cristo na “Pátria do Evangelho”.

É do Estatuto da FEB:

“Art. 2º — Para os estudos a que se refere o n. l do artigo antecedente, a Fe­deração realizará duas ordens de sessões:

1 — doutrinárias, nos dias e pelo modo que o Regulamento interno determinar, ver­sando o estudo sôbre as obras de Allan Kardec, a de J. B. Roustaing e outras subsi­diárias e complementares da Revelação, aten­ta à sua progressividade e, notadamente, o estudo metódico, sistemático e intensivo do Evangelho de Nosso Senhor Jesus-Cristo;”

  A Casa de Ismael, ciente e consciente de suas responsabilidades no ciclópico programa de espiritualização da Humanidade, prosse­gue proclamando o Cristo de Deus, à luz da Revelação do Consolador, com a tranquila certeza de sua missão no mundo terreno. E de que, portanto, as pedras continuarão silen­ciosas...

Em relação ao Evangelho e à personali­dade do Divino Fundador do Cristianismo, a atitude humana, muita vez, continua sendo aquela da época em que o nosso pequeno globo era considerado o centro do universo: os mesmos sentimentos que nortearam o geo­centrismo revivem num antropocentrismo in­congruente, que tudo quer reduzir ao nível e às proporções acanhadas de um estágio evo­lutivo ainda insatisfatório para o próprio homem.

O Cristianismo, durante 13 séculos, des­de o Imperador Focas à Codificação Karde­quiana, não conseguiu maiores sucessos, não motivou os espíritos mais profundamente porque os sacerdotes não souberam comunicar-lhes o Espírito do Cristo e da sua Men­sagem, na genuína expressividade da sua grandeza divina, em sua progressiva mani­festação de celeste vitalidade. Ao invés disso, agindo como infantes das coisas espirituais, atrelaram-se á letra, subestimaram o espíri­to, contrariando os ensinos do Mestre, e cria­ram um Cristo e uma teologia à sua própria imagem e semelhança. Um Cristo humano, frágil, morto, com uma doutrina que sone­gava até mesmo os textos escriturísticos. “O sacerdócio organizado costuma ser o ca­dáver do profetismo.” “A teologia, na maior parte das vêzes, é o museu do Evangelho” (Jesus e César, mensagem de Emmanuel, por Francisco Cândido Xavier, “Reformador” de outubro de 1944).

No prefácio do excelente estudo sôbre a “Vida de Jesus” (2ª edição da FEB), de Antônio Lima, Emmanuel (médium: Fran­cisco Cândido Xavier; psicografia de 28 de outubro de 1936) nos dá, entre outros esplên­didos pensamentos, os seguintes: “Todos os séculos estão cheios de livros, de poemas e referências ao Cordeiro de Deus. Mas os ho­mens sômente o têm visto, como vêem o Sol, através dos imperfeitos telescópios dos seus limitados conhecimentos.” “Éle é a claridade          que as criaturas humanas alnda não pude­ram fitar e nem conseguiram compreender.

Guiadas, em tôdas as épocas, pela sua infi­nita misericórdia, elas não sabem apreen­   der-lhe a grandeza espiritual e, se muito já se disse no mundo a respeito de sua vida na Terra e de sua personalidade, muito ainda se terá a dizer até que os homens lhe compreendam a excelsitude do ensinamento.” “Até que consigamos a realização do nosso ideal (cris­tianização para o renovamento das energias do mundo), que se elucide, que se ensine e, sobretudo, que se ame muito, dentro do Evangelho.  Da sua prática depende o sentimento de compreensão acêrca do Divino Mestre.”

Antes de prosseguir neste trabalho — para nós amena e luminosa jornada pelo mundo fascinante do livro espírita, de ilimitado ho­rizonte, empreendida sob a convicção de que “o Espiritismo nos solicita uma espécie per­manente de caridade — a caridade da sua própria divulgação” (Emmanuel), e de que           “depois da oração, o livro é a única escada pela qual o Céu pode descer à Terra” (Ir­         mão X) —,  devemos repetir que o nosso pro­pósito não é o de discutir o mérito das teses que se contém na obra “Os Quatro Evange­lhos”, de J. B. Roustaing, mas examinar o que existe sôbre o assunto, suscitando o estudo que gera o esclarecimento e a divulga­ção das referidas teses. É que, no mérito, penetram outros estudiosos, de competência incontestável (O Evangelho Redivivo, “Re­formador” de março de 1971).  Prevenindo dúvidas, declaramo-nos desde já, porque des­de sempre, adepto das referidas teses que reputamos de alto mérito.

A família espírita é fraterna por forma­ção e é a ela, na simplicidade das suas assem­bléias, e, individualmente, aos seus membros, no silêncio de suas meditações, que nos diri­gimos, inspirados nestes ensinos: “Outros expositores da Verdade e do Bem serão ouvidos de cátedras e tribunas, através de sim­pósios e multidões, porquanto nós todos pre­cisamos da Verdade e do Bem, do vértice à base da pirâmide da Vida. A ti, porém, coube a tarefa de explicá-los nas assembléias fami­liares do dia-a-dia, conchegando o povo ao regaço da própria alma. Recorda, no entan­to, que se Jesus foi infinitamente grande no tope dos montes ou nos cenáculos privativos para as revelações do Evangelho, jamais foi menor nos barcos humildes ou no clima poei­rento da estrada, quando atendia aos irmãos que o buscavam, sedentos de consôlo e fa­mintos de luz” (“Encontro Marcado”, de Emmanuel, por Francisco Cândido Xavier, 3ª edição da FEB).

É  interessante demonstrarmos a plena viabilidade, entre estudiosos sinceros e leais, no campo do Espiritismo, do entendimento fraterno, evangélico, não obstante naturais divergências a respeito de determinados pon­tos. Referimo-nos a divergências sem dissen­sões, como é desejável na vivência entre es­píritos que aspiram ao conhecimento de si mesmos. Cairbar Schutel, o valoroso espírita de Matão, SP, num de seus inúmeros livros de divulgação evangélica, assim se pronun­ciava, quando encarnado: “O conhecimento de Jesus só se pode ter pela Revelação” (pá­gina 79). “O corpo de Jesus é uma dessas questões que têm provocado celeuma, mesmo entre espíritas ilustrados. Esses discussões, longe de serem perniciosas, são indispensáveis para o esclarecimento da inteligência e se apresentam no presente momento como demonstrações do pensamento livre, tenden­do, portanto, à verdade, pela evolução” (os grifos são nossos). “É claro que, para nós, o corpo de Jesus era muito mais aperfeiçoado do que o nosso, pois diz o provérbio: “mens sana in corpore sano”...... (pág. 254 de “O Espírito do Cristianismo”, 4ª edição de O Clarim). No entanto, Cairbar Schutel pre­fere não tratar dessas questões e declara que para não negar Jesus êle não lhe nega natu­reza material. Hoje, como Espírito sem os liames da carne, naturalmente terá percebido que só por mera sutileza de interpretação não concluíra com o apóstolo Paulo que “nem tôda carne é a mesma carne”, embora tenha iniciado correto raciocínio nesse sentido.

O Espírito Neio Lúcio, referindo-se às peregrinações humanas junto aos túmulos de Maomé, Carlos V e Napoleão; em que se conservam ossos ou cinzas, recordando efê­meros triunfadores no mundo, assevera: “Com Jesus, todavia, é diferente. No túmulo de Nosso Senhor, não há sinal de cinzas huma­nas. Nem pedrarias, nem mármores de preço, com frases que indiquem, ali, a presença da carne e do sangue. Quando os apóstolos visi­taram o sepulcro, na gloriosa manhã da Res­surreição, não havia ai nem luto, nem tris­teza. Lá encontraram um mensageiro do rei­no espiritual que lhes afirmou: “nao está aqui”. E o túmulo está aberto e vazio, há quase dois mil anos” (“Alvorada Cristã”, psicografia de Francisco Cândido Xavier, 4ª edição da FEB). E se a Ressurreição não é a da carne...

Depois de algumas transcrições de Au­tores espirituais de incontestável sabedoria, alguns leitores poderão objetar: por que êsses Espíritos não expõem ainda mais direta e claramente o seu pensamento, de sorte que não reste a mínima dúvida na mente de cada um? Pois está parecendo que, reunidos os elementos esparsos, as teses por inteiro re­cebem a irrestrita ratificação do Alto. Para não nos alongarmos, diríamos simplesmente que, além dos próprios Evangelistas, dos Apóstolos e de Moisés, responsáveis pelos di­tados da obra “Os Quatro Evangelhos” (pre­cisaríamos de alguma autoridade além da dos Evangelistas?), coordenados por J. B. Roustaing, os Espíritos Humberto de Cam­pos e Emmanuel foram incisivos: o primei­ro, quanto à missão de Roustaing na Codifi­cação Kardequiana (cf. “Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho”) e o outro, que é o orientador da obra do livro espírita, quan­to à tese mesma, no prefácio ao livro “Vida de Jesus”, cuja leitura, na íntegra, a todos recomendamos. Diríamos, ainda, que no to­cante às questões mais complexas, profundas, os Grandes Mentores se pronunciam com extrema habilidade, a fim de que as nossas inquietações e insuficiências não turvem, por movimentação desordenada, o rio de linfa pura que nos há de dessedentar. Diríamos mais, concluíndo, que os Espíritos Superiores, recomendando-nos insistentemente a oração, a meditação, o estudo, a prática do bem, de­sejam justamente que nos aprimoremos espi­ritualmente, capacitando-nos a maior ampli­tude de percepção da Verdade: “À medida que nos integramos nas próprias responsabi­lidades, compreendemos que a sugestão dire­ta nas dificuldades e realizações do caminho devem ser procuradas com o Supremo Orien­tador da Terra. Cada Espírito, herdeiro e Filho do Pai Altíssimo, é um mundo por si, com as suas leis e características próprias. Apenas o Mestre tem bastante poder para traçar diretrizes individuais aos discípulos” (“Obreiros da Vida Eterna”, de André Luiz, por Francisco Cândido Xavier, págs. 48/9 da 8ª edição da FEB).

Os leitores que conhecem a maioria dos livros psicografados em Pedro Leopoldo e Uberaba, por Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira, sabem que Emmanuel, com a sua sublime responsabilidade de dirigente es­piritual do programa global do livro espírita, é o prefaciador de cada publicação original, ressalvados um ou outro caso de obra psico­fônicamente obtida ou de alguma antologia de ditados mediúnicos já publicados. Mas, há um caso especial, o do Espírito Humberto de Campos, cujos livros, com exceção de um único, não contém prefácios seus: são doze obras, as últimas sete sob o pseudônimo Irmão X. A exceção a que nos referimos é nada mais nada menos que o importantissimo li­vro-programa do Brasil: “Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho”. E não é só. Sôbre o referido livro, Emmanuel faz ainda menção em “A  “A Caminho da Luz”, infor­mando que êle “foi a revelação da missão co­letiva de um país”, enquanto que o seu “con­sistirá, tão-sômente, em apontamentos à mar­gem da tarefa de grandes missionários do mundo e de povos que já desapareceram, esclarecendo a grandeza e a misericórdia do Divino Mestre”.

Pois o livro revelador da missão coletiva do Brasil é justamente aquêle que declara ter sido João Batista Roustaing o incumbido de “organizar o trabalho da fé”, coadjuvando o Apóstolo Allan Kardec na Codificação do Es­piritismo, e que apresenta, em detalhes, a atividade do Anjo Ismael, como Legado do Cristo, coordenando e orientando os aconte­cimentos no âmbito de suas responsabilida­des junto aos Espíritos que lhe foram con­fiados, inclusive no atinente à organização e funcionamento de sua Casa e à convocação de seus dirigentes, até Bezerra de Menezes.

Estudiosos das verdades celestes, bus­quemos a inspiração das Esferas Sublimadas, que nos abra perspectivas de compreensão ao Espírito naquilo que transcende às aspirações do imediatismo contemporâneo, porque só assim seremos dignos de “seguir as pegadas de Jesus”, pois “é preciso muito esfôrço do homem para ingressar na academia do Evan­gelho do Cristo, ingresso que se verifica, quase sempre, de estranha maneira — êle só, na companhia do Mestre, efetuando o curso difícil, recebendo lições sem cátedras visíveis e ouvindo vastas dissertações sem palavras articuladas” (“Nosso Lar”, de André Luiz, por Francisco Cândido Xavier, 12ª edição da FEB). 

 

Revista: Reformador,  Número 1, Janeiro 1972

 

publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 00:57
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