DISCERNIR E DISTINGUIR
Passos Lírio
Freqüentes vezes, em suas obras, o Codificador do Espiritismo nos chama a atenção para o dever que se nos impõe de passarmos pelo crivo da razão todas as manifestações da palavra escrita e falada de Espíritos e espíritas, significando matéria mediúnica ou produção humana, para termos condição de depreender o sentido e alcance das intenções de uns e de outros, tal a certeza de haver falsos profetas tanto na Erraticidade quanto na face da Terra, fariseus e impostores lá e aqui.
Nesse particular, legou-nos Allan Kardec orientações lapidares. Assim, não há como nem porque nos equivocarmos a respeito de coisa alguma.
Sem dúvida, pretendia o Mestre lionês, com isto, que os profitentes da Nova Revelação fôssemos criaturas esclarecidas e tanto quanto possível familiarizadas com as realidades espirituais.
Posteriormente, os que se lhe seguiram, na esteira do tempo, acharam por bem manter o mesmo espírito de prudência, insistindo em nos favorecer com outros lembretes de alertamento e advertência.
Por sua vez, os Instrutores Espirituais trouxeram-nos e ainda hoje nos trazem substanciais contribuições elucidativas e acauteladoras, no sentido da preservação do todo doutrinário que singulariza o tríplice aspecto científico-filosófico-religioso da Terceira Revelação.
Estamos, portanto, mais do que suficientemente aparelhados para um profícuo trabalho de verificação e análise, que nos possibilita separar o joio do trigo e agir com pleno conhecimento de causa.
Ora, se semelhante critério de acautelamento e precaução se faz essencialmente necessário no trato dos assuntos próprios dos nossos círculos de trabalho e estudo, procedam eles de encarnados ou desencarnados, por mais respeitáveis que se lhes apresentem os nomes e as personalidades, com mais forte razão (muitíssimo mais!) deve merecer toda a nossa escrupulosa atenção e inviolável observância tudo quanto disser respeito a iniciativas e atividades de outras fontes ideológicas, de quaisquer procedências estranhas ao nosso meio.
Não que tenhamos prevenções com quem quer que seja ou espírito preconcebido contra o que quer que seja. Nem temos a veleidade de supor e a presunção de admitir que fora do nosso campo de idéias e ideais nada haja, coisa alguma possa haver que se imponha ao nosso respeito e admiração, quando sabemos que as dádivas do Alto não são privilégio de ninguém e de nenhum grupo.
Somos dos que compreendem que as transcendentais inspirações do Senhor Jesus, através dos seus Emissários, podem constituir aquisição de qualquer um e pode se fazer sentir em toda parte onde haja criaturas que ofereçam condições de sintonia para captá-las. Sabemos, de fonte limpa e sem sombra de dúvida, que, em searas alheias, dentre os múltiplos e variados setores científicos, filosóficos e religiosos, sempre existiram e não deixam de existir figuras de alto gabarito espiritual, credoras do nosso apreço e consideração. Não desconhecemos a existência e atuação de vultos marcantes, que, pelo lastro dos seus atributos intelecto-morais, transcendem, pelo pensamento e ação, dos redutos em que se situam, para se projetarem como verdadeiros faróis no encapelado mar da vida, balizando rumos para os tripulantes da nau planetária, na rota do porto de destino. Nunca teríamos palavras suficientes para enaltecer-lhes os méritos e a profunda significação de suas presenças no cenário humano.
Mas, por outro lado, não ignoramos que a nossa admirável e amada Doutrina oferece-nos tudo de que carecemos para o desempenho fecundo e frutífero de toda e qualquer tarefa, de incumbência dos mais variados matizes, de missões de alta responsabilidade, e que, também ela dispõe de uma galeria notória e notável de vultos exponenciais e representativos, quer nos múltiplos domínios da Cultura, quer na esfera fulgurante dos mais acrisolados sentimentos, das mais requintadas virtudes. Pensadores eméritos, trabalhadores infatigáveis, idealistas inconfundíveis, personalidades de rara envergadura, eles nos deixaram precioso legado de luz para edificação de nossas almas e renovação espiritual da Humanidade. Temos neles, em seus pensamentos e ações, em suas idéias e atitudes, inestimáveis pontos de referência não só para a nossa conduta individual — privada e pública — senão também autênticas fontes de inspirações e consultas em prol de nossas atividades e realizações, que devemos desejar se apresentem sempre com o máximo e melhor índice de autenticidade espírita.
Não vemos, portanto, razão para entusiasmos e empolgações por outras idéias e ideologias, por qualquer outro sistema filosófico ou político-social, ainda que sejam credores do melhor conceito aqueles que os perfilharam e deles fizeram meritório uso próprio no quadro dos seus empreendimentos.
Louvemos, sim, os trabalhadores de alcandoradas aspirações, os construtores do progresso do mundo, os idealistas de escol, os desbravadores de vanguarda, nas áreas das descobertas científicas, no campo de diversificados inventos, na esfera das inovações tecnológicas. Reconheçamos e proclamemos os méritos das obras úteis e benéficas, sejam quais forem seus autores e partam elas de onde partirem. Admiremos, sem rebuços, tanto quanto possível, aqueles que souberam e sabem se consagrar ao bem-estar do próximo. Mas que esta nossa isenção de ânimo em apreciar vultos e obras, em fazer-lhes justiça, não implique adesões irrefletidas a quantos margeiam nossos celeiros de valores intelecto-morais, a fim de evitarmos fusões e confusões incongruentes que possam embaraçar-nos os passos ou criar embaraços, presentes e futuros, para o perfeito entendimento e êxito das altanadas implicações e aplicações, na prática, dos postulados doutrinário-evangélicos do Espiritismo.
Estejamos antes e acima de tudo com o que é tipicamente nosso e dos nossos, para estarmos sempre e verdadeiramente com a Doutrina Espírita e com os Espíritos do Senhor.
Discernir e distinguir bem para melhor nos resguardarmos.
Fonte: Reformador nº2000 – Novembro/1995