RECADO DE AMOR

Maria Dolores

Chama-se Aurora a nobre companheira,
Uma das que encontrei na hora derradeira
Do corpo cujo laço me prendia;
Mensageira da paz e da alegria,

É um misto de menina, flor e estrela...
Depois de longa convivência,
Em meu novo processo de existência,
Pude efetivamente conhecê-la.

Para logo notei que Aurora onde estivesse,
Ante os amigos de qualquer idade,
Lembrava um coração que, de todo, se desse
A tecer fios de felicidade

Para quem lhe escutasse as palavras de luz;
No entanto, aos poucos, vi que ela trazia
Extenso traço de melancolia,
Obscuro pesar, escondido e profundo.

Sem que eu nada indagasse, certa feita,
Ela me disse: - "Irmã Dolores,
Devo tornar ao mundo
Numa jornada estreita.

Irmã, onde estiveres, onde fores,
Roga ao Céu abençoe a luta que me leva
A socorrer um ente amado,
Para mim, tal qual filho desgarrado,
Nas veredas da treva..."

"Mas não podes, irmã, - perguntei, com cuidado, -
Ampará-lo daqui, sem renascer na Terra?"
- "Não, não posso, - ela disse, é na volta que insisto,
Já que em cinco existências, lado a lado,

Esse filho que eu amo é um homem transtornado
Que fugiu por orgulho à presença do Cristo."
Depois de semelhante entendimento,
Acompanhei-a, certa vez,

A fim de conhecer-lhe o ente amado
A quem se afeiçoara noutras eras...
Nele encontrei um cidadão prendado,
Esbanjando poder, nome e talento.

Conquanto homem de bem, de maneiras sinceras,
Casado, pai de um filho
Que ainda não chegara a contar quatro anos,
Professor e eminente cientista,

Emitia conceitos desumanos,
Se alguém falava em fé, expondo-se-lhe à vista.

Logo após, muitas vezes,
Ateu maior, entre os grandes ateus,
Dele escutei opiniões como estas:
- "Santos e religiões nessa história de Deus

São lendas de pessoas desonestas,
O espírito é ilusão da mente alucinada,
Quando a morte aparece, a vida é cinza e nada."
Mas Aurora voltou, - afeição renascida, -

Tomando dele próprio a sua nova vida.
A mãezinha querida, excelente senhora,
Por sugestão do Plano Superior,
Deu-lhe o nome de Aurora...

Tenra criança ainda, ela exprimia amor,
Impressionando ao pai com o luminoso olhar...
No regaço materno, era uma flor no lar.
Crescendo um tanto mais, era-lhe a companhia,

O pai achara nela a fonte da alegria...
Cinco anos apenas e a criança
Endereçava a ele assuntos tais,

Que o genitor se via em profunda mudança,
Nos seus próprios anelos paternais.
Assim que os dois se punham mais sozinhos,
Fosse em casa, nas praias, nos caminhos,

A pequena fazia indagações:
- "Papai, quem fez o mar assim tão grande?
Quem cultiva estas plantas que nós vemos?
Quem criou nossos pés para que a gente ande?

Quem segura no chão a casa em que vivemos?
Papai, quem dá comida aos pássaros na serra?
Quem fez o Sol? Será que o Sol assim, tão brilhante e tão quente,
É uma vela de Deus, iluminando a Terra?"

O pai ouvia a filha, enternecidamente,
E respondia, admirado:
- "Filhinha, vais crescer ao nosso lado,
Tudo compreenderás no momento preciso..."

E parava a pensar, sob longo sorriso.
Após algum silêncio, a expressar alegria,
Vendo as aves saltando, ramo em ramo,
Sempre agarrada ao pai, a pequena dizia:

- "Papai, de tudo o que já sei,
Sabe o que já falei?
Já falei à Mãezinha que eu te amo...
Mas, um dia surgiu... Há sempre um "mas"

Quando a vida feliz perde o gosto da paz.
A menina adoeceu, inesperadamente
E, após longa pesquisa, o médico anuncia
A presença de estranha leucemia...
Os pais lutaram quais leões, à frente

De um perigo mortal, no entanto, hora por hora,
Notam a pequenina e terna Aurora
A definhar e a definhar...
Até que, em certa noite, unidos a chorar,

Sem qualquer esperança que os conforte,
Viram-na repousar no silêncio da morte.
Lembrando um anjo lindo estruturado em cera,
A filhinha querida adormecera.

Dois meses sobre os traços da ocorrência,
A pedido de Aurora,
Fui visitar-lhe a residência.
Não mais achei ali a beleza de outrora...

Tentei buscar-lhe o pai que soube ausente
E encontrei-o num quadro comovente;
Estava triste e só num campo santo,
Tateando na lousa o nome da filhinha

E, demonstrando a mágoa que o retinha,
Falava em alta voz, encharcada de pranto:
- "Filha do coração, embora eu viva triste,
A verdade me diz que a morte não existe.

Anjo de paz e amor, é impossível morrer,
Vives hoje no Além, tanto quanto em meu ser...
Perder-te a companhia é toda a minha dor,
Não olvides teu pai, cansado e sofredor!...

Nunca te esquecerei, filha dos sonhos meus,
A saudade de ti trouxe-me a luz de Deus..."
Então, pude anotar
Naquela inteligência em supremo pesar,

Mostrando o coração sem disfarce e sem véus,
Que toda vida curta, ao brilhar e morrer,
Para quem ama e fica, ante o mundo a sofrer,
É um recado de amor no correio dos Céus!...


Do livro A Vida Conta. Psicografia de Francisco Cândido Xavier.

publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 23:29
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