Sexta-feira, 28 De Agosto,2009

O VALE DOS SUICIDAS

 

 
Mas na caverna onde padeci o martírio que me surpreendeu além do túmulo, nada disso havia!
Aqui, era a dor que nada consola, a desgraça que nenhum favor ameniza, a tragédia que idéia alguma tranqüilizadora vem orvalhar de esperança!
Não há céu, não há luz, não há sol, não há perfume, não há tréguas!
O que há é o choro convulso e inconsolável dos condenados que nunca se harmonizam!
O assombroso “ranger de dentes” da advertência prudente e sábia do Mestre de Nazaré!
A blasfêmia acintosa do réprobo a se acusar a cada novo rebate da mente flagelada pelas recordações penosas! A loucura inalterável de consciências contundidas pelo vergastar infame dos remorsos!
O que há é a raiva envenenada daquele que já não
pode chorar, porque ficou exausto sob o excesso das lágrimas! O que há é o desaponto, a surpresa aterradora daquele que se sente vivo a despeito de se haver arrojado na morte! É a revolta, a praga,
o insulto, o ulular de corações que o percutir monstruoso da expiação transformou em feras!
O que há é a consciência conflagrada, a mente revolucionada, as faculdades espirituais envolvidas nas trevas oriundas de si mesma!
O que há é o “ranger de dentes nas trevas exteriores”
de um presídio criado pelo crime, votado ao martírio e consagrado à emenda! É o inferno na mais hedionda e dramática exposição, porque, além do mais, existem cenas repulsivas de animalidade, práticas objetas dos mais sórdidos instintos, as quais eu me pejaria de revelar aos meus irmãos, os homens!
Ivone A. Pereira
 

NÃO ESQUEÇAM NUNCA EM SUAS PRECES DIÁRIAS, ROGAR AO BENFEITORES ESPIRITUAIS PELOS NOSSOS IRMÃOS SUICIDAS.

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publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 06:23
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Quarta-feira, 19 De Agosto,2009

UMA MORTA FELIZ

                             

     O livro “Messages from the Unseen” trata de uma santa mãe que se comunica por intermédio de sua filha. Orna a brochura o retrato da morta, cujos traços angélicos se harmonizam de modo muito sugestivo com o conteúdo das mensagens, das quais se exala o perfume celeste de uma bela alma, em suprema comunhão de amor com todos os seres do Universo. É tão espontânea, tão natural a forma em que são ditadas as mensagens, que sugere aos que as lêem a intuitiva certeza da origem, autenticamente transcendental, donde promanam.
     Na primeira, a morta exprime a sua viva alegria por sentir-se, enfim, liberta do corpo. Dirige-se, depois, ao marido, nos termos seguintes:
     “Acho-me neste momento, contigo, bem perto de ti e dos meus filhos. Varre da mente essa idéia de que me encontro muito longe do meio onde vivi. Podes consultar-me sobre tudo o que te apraza, com mais facilidade do que antes. Estarei sempre em relação com todos vós; não vos deixarei um só instante, até ao dia em que vos der as boas-vindas à passagem do grande rio. Possa essa passagem ser para todos tão suave quanto o foi para mim. Não me lembro de coisa alguma concernente à travessia.
     Devo ter dormido longo tempo, se bem não conserve disso nenhuma recordação. Mas, quando abri os olhos, achei-me curada miraculosamente. Vi-me tal como era no curso dos melhores anos da minha mocidade, porém, infinitamente mais exuberante de vida, mais lúcida de espírito, mais ditosa. O extenso período da minha enfermidade me pareceu um mau sonho, do qual por fim despertara, para volver à afeição das pessoas que me são caras e que me assistiram com tanta abnegação. Sentia-me na posse de toda a rica experiência adquirida durante a minha passagem através da existência terrestre...” 
     Na segunda mensagem, volta à circunstância da crise da morte, dizendo:
     “Ignoro o que experimentam os outros na travessia do grande ribeiro que separa o mundo espiritual do mundo terreno; a minha experiência se resume num despertar maravilhoso que, ainda agora, me enche de extática alegria. Não temais a morte; não há o que temer; todas as penas, todas as dores, tudo o que há de feio na grande crise, pertence ao seu lado físico; do outro lado, há o amor - o Divino Amor - combinado com a glória inexprimível do despertar espiritual. Quando despertei, vi-me cercada pela assembléia de todos os que eu amara na Terra. Via, em torno de mim, os semblantes de todas as pessoas queridas que eu conhecera nas diferentes épocas da vida, a partir da mais tenra infância, pessoas essas que, na sua maioria, tinham sido, havia muitos anos, arrancadas à minha afeição. Ao mesmo tempo, ressoavam no ar maravilhosos acordes musicais, literalmente celestes, que eu escutava extasiada. No meu trespasse, não houve mudanças bruscas; adormeci e despertei, pouco a pouco, para uma vida em que se tem uma consciência mais vasta de si mesmo e se sabe muito bem estar curado de todas as enfermidades e livre, livre para sempre do meu pobre corpo envelhecido, que durante tão largo tempo me pesara sobre o Espírito qual geena. Como exprimir, pela palavra, o que esta revelação significava para mim?
     Só os que, como eu, sofreram longamente, aguardando com ansiedade a liberação, se acham em condições de o conceber. Sinto-me perfeitamente bem, exuberante de vitalidade, rejuvenescida. Quando, ao despertar, respondi ás saudações de boas-vindas de tantas pessoas queridas, que me tinham vindo receber, sabia que não sonhava, que efetivamente havia entrado no meio espiritual; sabia que estava morta.

     “Morta”! esta palavra é um contra-senso! Nunca faleis de mim como de uma pessoa morta. Estou viva, com uma vitalidade que jamais experimentara, nem sonhara, na posse de novas faculdades, de novas energias, com um poder de amar e de ser feliz, dez vezes mais forte do que antes. Tudo isto me revela o grande fato de que a existência, nestas esferas, deve constituir uma alegria permanente. Para alcançar tal meta, valia bem a pena de viver uma vida de lutas e de sofrimentos. Presentemente me parece que vivi na Terra uma existência de sonho; somente esta é, com efeito, vida real; aquela era uma sombra de vida. Só vós outros continuais a ser para mim uma realidade da existência terrena; o amado companheiro de minha vida e meus filhos constituem o laço único que me prende ainda ao mundo dos vivos.

     No paraíso, onde me acho, reinam o perfeito amor e a harmonia universal, a se manifestarem numa glória de luz radiosa, vibrante de energias vitais, que enchem a alma de sentimentos agradáveis e de suprema alegria. Em o nosso meio, os pensamentos substituem a palavra; eles não só vibram em uníssono com as almas, como revestem cores admiráveis e se transformam em sons muito harmoniosos, o que faz ouçamos ressoar em torno de nós uma sinfonia de acordes musicais, sempre mais e mais maravilhosos, de uma beleza de gradações infinitas.

     ... Desejo ainda falar-vos da maravilhosa música que me acolheu, à minha entrada no mundo espiritual, experiência que ultrapassa tudo o que conheci na Terra. Não era eu a única a ouvi-la; a maioria dos Espíritos que se tinham reunido para me receber a ouviram e dela gozaram comigo. Era uma série gloriosa de acordes musicais que pareciam vir de um instrumento central, de um órgão gigantesco. Espalhavam-se e vibravam no espaço, em ondas de harmonias celestes, que pareciam elevar-se, até se fundirem em Deus. Era tão possante essa sinfonia, tão grandiosa, tão penetrante, que se diria dever o Universo inteiro ouvi-la. E, no entanto, ao escutá-la, eu tinha a intuição de que aqueles acordes ressoavam só para mim, que eles me chegavam como uma voz que se dirigia à minha alma, revelando-me a natureza íntima e os segredos maravilhosos do meu ser e me ensinando que, no mundo espiritual, a música é o veículo revelador das grandes verdades cósmicas... Se me perguntásseis onde estava o instrumento musical, donde vinha aquela música, quem era o músico, não saberia responder.Ela se fez ouvir de repente, sem que ninguém a houvesse pedido. Sei apenas que representa, com relação a mim, o primeiro passo para a iniciação nas maravilhas da esfera espiritual que tive a dita de alcançar...

     Um dos grandes atrativos desta Esfera consiste no fato de haver alguns lados da sua configuração que são invariáveis, havendo, porém, ao mesmo tempo, nela, uma espécie de configuração particular superposta - se assim se pode dizer - que é, ao contrário, muito variável. É que todos possuímos faculdades criadoras, que atuam perpetuamente sobre o meio imediato onde existimos. Segue-se que toda variação em a nossa maneira de sentir e de pensar acarreta variação correspondente no meio que nos cerca. As nossas vestes são também criações do nosso pensamento e constituídas de elementos tirados do meio onde existimos. Ainda não aprendi exatamente o processo pelo qual se opera o milagre, mas o fato é que essas manifestações exteriores do nosso pensamento traduzem as disposições interiores do nosso espírito. Resulta daí que, para os Espíritos existentes de há muito neste meio, as vestes constituem um símbolo infalível, que lhes revela o valor moral intrínseco...
     Embora a natureza deste mundo difira enormemente da Terra, os dois mundos se assemelham, com a diferença, porém, de que o mundo espiritual éinfinitamente mais apurado, mais sublime, mais etéreo: eis tudo.

     Coisa singular! conquanto, à minha chegada no mundo espiritual, tudo o que nele existe me haja parecido tão maravilhoso, experimentei logo a sensação de me encontrar num meio que me era familiar; ou, mais precisamente, de me encontrar outra vez num meio que não era novo para mim. Exprimi esta impressão aos meus companheiros espirituais e eles então me informaram de que eu recuperaria gradualmente a lembrança de acontecimentos pessoais que se estendem muito para além da minha última existência terrestre, abrangendo recordações de um tempo em que habitei o mundo espiritual, que é a nossa verdadeira morada. Começo, com efeito, a lembrar-me... Não desejo entrar em longa dissertação sobre este tema, mas, bom é que se diga o que daí resulta para mim a tal respeito. É que meus filhos, assim como outros Espíritos com os quais tenho tido ensejo de falar deste assunto, me informaram que se lembravam claramente de todas as existências que viveram na planeta Terra. Eu mesma principio a recordar-me das fases de existências encarnadas, anteriores à que acabei ultimamente. Apenas, pelo que me toca, não poderia dizer se essas recordações se referem a vidas passadas na Terra, ou em outros planetas do Universo. Do que sei com toda a certeza é que me achava revestida de um corpo muito semelhante ao corpo velho que acabo de deixar.”

     No caso presente, assiste-se à passagem de uma bela alma para o meio espiritual, alma que, pela “lei de afinidade”, gravita para uma esfera elevada do meio “astral”. Concebe-se então que as circunstâncias do seu trespasse sejam um pouco diferentes daquelas pelas quais passa a maioria dos outros Espíritos que desencarnam. (Ernesto Bozzano - Obra: A Crise da Morte)
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publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 01:03
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Domingo, 16 De Agosto,2009

JUSTIÇA HUMANA E JUSTIÇA DIVINA

 

 
 RODOLFO CALLIGARIS
 O capítulo II da Constituição Brasileira, que trata “dos direitos e das garantias individuais”, em seu art. 141, § 30 e 31, consagra dois princípios altamente humanitários, que vale a pena analisar e comparar com dois dogmas fundamentais das igrejas ditas cristãs.
 Reza o citado § 30: “Nenhuma pena passará da pessoa do delinquente.”
 Isto quer dizer que no Brasil, como de resto em todos os países civilizados do mundo, qualquer pena (punição que o Estado impõe ao delinquente ou contraventor, por motivo de cri­me ou contravenção que tenha cometido, com a finalidade de exemplá-lo e evitar a prática de novas infrações) só poderá recair sobre o culpado, não podendo, em hipótese alguma, alcançar outra(s) pessoa(s).
 Exemplifiquemos: se um indivíduo cometer um crime, pelo qual seja sentenciado a uns tantos anos de prisão celular, mas venha a escapulir, sem que as autoridades policiais consigam apanhá-lo, ou faleça antes de haver cumprido toda a pena, não pode o Estado trancafiar um seu parente (filho, neto, etc.) para que cumpra ou resgate o final do castigo imposto a ele, criminoso.
 Aliás, se o fizesse, passaria a si mesmo um atestado de despotismo e provocaria os mais veementes protestos, pois repugna às consciências esclarecidas admitir que “o inocente pague pelo pecador”.
 Essa noção de intransferibilidade de méritos e deméritos, já a tinham os profetas do Velho Testamento. O cap. 18 de Ezequiel, v. g., versa exclusivamente esse ponto. Ali se diz que se um homem for bom e obrar conforme a equidade e a justiça, mas venha a ter algum filho ladrão, que derrame sangue ou cometa outras faltas abomináveis, este terá que arcar com as conse­quências de seus delitos, de nada lhe valendo as boas qualidades paternas.
 Da mesma sorte, se um homem não guardar os preceitos divinos, se for um grande pecador, mas o filho “não fizer coisas semelhantes às que ele obrou”, não responderá pelos desacertos do pai. E conclui (v. 20):
 “A alma que pecar, essa morrerá: o filho não carregará com a iniquidade do pai, e o pai não carregará com a iniquidade do filho; a justiça do justo será sobre ele, e a impiedade do ímpio será sobre ele.”
 Claríssimo, pois não?
 No entanto, tomando por base uma alegoria do Gênesis (cap. 3), cuja interpretação foge ao objetivo deste trabalho, — a Teologia engendrou e vem sustentando, através dos séculos, o dogma do “pecado original”, segundo o qual to­dos os homens, gerações pós gerações, inclusive aqueles que virão a nascer daqui a séculos ou milênios, são atingidos inexoravelmente por uma falta que não é sua!
 Ora, mesmo que a referida alegoria bíblica (tentação de Eva e queda do homem) fosse um fato histórico, real, que culpa teríamos nós outros, da desobediência praticada por “nossos primeiros pais” num passado cuja ancianidade remonta à noite dos tempos?
 Se a responsabilidade pessoal é princípio aceito universalmente; se nenhum Código Penal do mundo admite que se puna alguém por um crime praticado por seus ancestrais; como poderia Deus castigar-nos por algo de que não fomos participantes, ou melhor, que teria ocorri­do quando nem sequer existíamos?
 Não é possível!
 Se Deus nos criasse, mesmo, com esse estigma, expondo-nos, consequentemente, às mui­tas misérias da alma e do corpo, por causa do erro de outrem, então a Justiça Divina seria menos perfeita que a justiça humana, posto que esta, como vimos, não permite tal aberração.
 Como é óbvio, o Criador hão pode deixar de ser soberanamente justo e bom, pois sem esses atributos não seria Deus. E como o dogma do “pecado original” não se coaduna com a Bondade e a Justiça Divinas, não há como fugir à conclusão, de que é falso e insustentável, sendo cada um responsável apenas pelos seus próprios atos, e não pelos deslizes de’ seus avoengos, ainda que eles se chamem Adão e Eva...
Fonte: Reformador – abril, 1965
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publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 19:05
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Quarta-feira, 05 De Agosto,2009

LOUCA HUMANIDADE!

 

           
     O suicídio revela no homem civilizado o estado aviltante a que ele relega a existência planetária, conduzido ao supremo ódio às Leis Divinas, por ver-se atingido pela inapelável força da evolução, cobrando ao infrator as dívidas não resgatadas. Nesse mister, o tempo não tem qualquer significação, importando não o período transcorrido entre o débito e o ressarcimento, mas a dívida em si mesmo.
     O suicida é um espírito soberbo e calceta1 que, na impossibilidade de atingir o fulcro da Divindade que lhe não permite continuar semeando destruição, alucinado pelas ambições crescentes e selvagens, se destrói, tentando, desse modo, alcançar o Sumo Espírito da Vida. Odiento e infeliz, arroja-se, porém, nos mais fundos despenhadeiros, cujo anteparo não consegue encontrar, experimentando inominável dor, enquanto perdurem as novas impressões que se lhe adicionam às angústias das quais desejou fugir e que o enlouquecem, sem roubar-lhe a consciência da própria insânia.
     Os séculos de civilização, de ética e cultura não conseguiram fazer que o instinto de autodestruição – que apenas no homem se manifesta, já que os demais animais, não raciocinando, não se fazem vítimas do hediondo crime – fosse dominado pela análise fria e nobre da razão. Pelo contrário: parece que nas nações chamadas supercivilizadas, pelo abuso das faculdades que revestem o ser, o homem atira-se cada vez mais opiado2 no sorvedouro da autodestruição, consumido pelos excessos de todo porte, ensoberbecido pela técnica e amolentado pela comodidade perniciosa.
     Se anteriormente a forca anunciava a presença da civilização numa cidade, o alto índice de suicídios num povo, atualmente, revela a sua elevada cultura. Cultura, no entanto, pervertida, sem Deus nem amor, sem vida nem sentimento. Cultura da inteligência, com amarguras do sentimento, altas aquisições externas sem qualquer conquista interior. Vitórias sobres as realidades de fora e escravidão aos impositivos de dentro.
     Face às concessões facultadas pela moderna tecnologia e graças à decadência ética do mundo, favorecida pelo desgoverno e empobrecimento da fé nas grandes massas humanas, o ser marcha sob o azorrague3 de mil angústias, encontrando no suicídio a porta falsa para a equação de problemas que a ele compete resolver pelos processos da não-violência, perseverando no dever sob o reto amparo do tempo. Impaciente, por acomodação ao imediatismo, cujos frutos sempre colhe na árvore da oportunidade ligeira, transforma a paisagem íntima num inferno, e entre as labaredas da inquietação levanta a mão que converte em sicário da vida e atira-se na inditosa loucura da morte voluntária, em busca de um nada que seria o repouso eterno, numa violação das mais graves ao Estatuto Divino.
     Preferindo aceitar que o ser humano é um acidente biológico na escala zoológica, por retirar da sua consciência as responsabilidades para consigo mesmo o homem cultiva o orgulho, a soberba, desenvolve a ferocidade, a rebeldia e jacta-se de ser o senhor do mundo, menos, sempre menos, senhor de si mesmo.
     Vivendo na condição predatória de explorar a mãe-Terra quanto lhe facultam as possibilidades, faz-se ingrato, esquecendo de retribuir todas as concessões gratuitas que usufrui sem a menor consideração: a vida física e mental, o ar, a água refrescante, o fruto silvestre, a paisagem rica de colorido e perfume, a maravilha do Sol, a bênção da noite, a dádiva das tempestades que lhe renovam a atmosfera... para somente pensar em si mesmo e nas baixas expressões do prazer animalizante.
     Escravo nas paredes celulares, encarcerado nas limitações do sentimento, entorpece-se cada vez mais, até que um último grito de dor o arroja do acume da vida – que deve sempre ser cultivada a qualquer preço de sacrifício e sofrimento -, ao abismo em que se consumirá sem extinguir-se, enquanto lentos, pela dor aumentada, correrão os tempos, realizando o seu abençoado trabalho purificador.
     Louca Humanidade! Conquista o mundo, transforma condições climatéricas, corrige o terreno, arrasa montanhas, retifica ilhas e as faz penínsulas, vence abismos com pontes audaciosas, reduz distâncias com aparelhos velozes, envia imagens sonoras e visuais a qualquer parte do orbe, graças aos satélites artificiais, atinge a Lua, mas prefere adiar o encontro com a consciência.
     Vã Cultura! Estuda a História do passado e do presente, vaticina o futuro, arregimenta princípios de escolaridade intelectual, procede a julgamentos de vultos que foram fatores lídimos das Civilizações, examina estratégias bélicas e recompõe monumentos de arte, na pintura, na estatuária, na arquitetura, na arqueologia, ressuscita partituras que trazem a música dos Mundos Felizes e, no entanto, prossegue descontrolada, estiolando esperanças e espalhando pessimismo, sem penetrar no imortal conceito do “Nosce te ipsum4, mediante o qual poderia resolver os magnos problemas da vida, pelo autodescobrimento das virtudes e dos defeitos, desenvolvendo as primeiras e limando os segundos, em incessante labor de superação dos males acarretados pelas mesclas renascentes dos erros pretéritos, na busca da luz futura.
     Insensata Tecnologia! Invade o microcosmo e decifra milhares de enigmas que antes infelicitavam a vida organizada no mineral, no vegetal, no animal e no homem, e criavam graves desconcertos nas formas vivas, identificando germens, vírus, flora e fauna de estrutura infinitesimal, adentrando-se pelos laboratórios para proceder à elaboração de fórmulas e soluções capazes de aniquilar os focos pestilenciais que fazem sucumbir o corpo, não conseguindo, porém, estancar as fontes do ódio, da inveja, da malquerença, do ciúme, do despeito, da intriga, da impiedade, da ira, do orgulho, do egoísmo – esses semens de ação corrosiva, por criarem campo de proliferação nos tecidos sutilíssimos da alma. Irrompe pelo macrocosmo e mede as estrelas, sonha com as colméias globulares e as ilhas interplanetárias, identificando-as, classificando-as, conhecendo-as mediante os sinais de rádio, amando-as; prevê-lhes a idade, a distância em que se encontram, o envelhecer paulatino, a transformação pelo desgaste da energia em que se consomem, e até as visualiza nos movimentos célicos,5 em órbitas inconcebíveis, mas não utiliza as lunetas que penetram no continente do espírito, para estudar os centros de vida que gravitam em torno da nebulosa excelsa que envolve todo o Cosmo, como continente e conteúdo.
     Após quase doze mil anos de Civilização, o homem parece apetecer em ser não apenas “o lobo do homem” mas o chacal de si mesmo.
     O suicida é o imaturo desajustado na escola da vida, fugindo da consciência culpada para despertar de coração e mente estraçalhados.
     Enquanto não rutilar a fé poderosa e pura, que traduza a verdade maior do Amor no coração da Humanidade, o homem fugirá da vida para a Realidade, afogando-se nos rios da Imortalidade, sem consumir-se no aniquilamento que tanto persegue, não colimando o cobiçado objetivo.
     A ética, que na Antigüidade oriental afirmava o “espírito e negava o mundo”, renasceu no Cristianismo, oferecendo no pessimismo, em relação ao imediato, o otimismo de referência à Imortalidade, com as credenciais da esperança e da paz.
     No Espiritismo, o mais eficiente antídoto contra o suicídio – suicídio em cujo corpo sempre se encontram as fortes amarras da obsessão pertinaz, em conúbio danoso, de conseqüências imprevisíveis -, o otimismo no tocante à vida real e indestrutível estabelece uma ligação entre a cultura atual e as culturas pretéritas, em perfeita sintonia de ideais, dos quais a técnica e as modernas conquistas podem extrair os frutos opimos6 a benefício da Civilização contemporânea.
     Provenientes de séculos de nefanda ignorância e contínuo primitivismo do sentimento, em que a força sobrepairou à legalidade e o absolutismo do poder esteve em mãos fortes e ingratas, engendrando misérias coletivas, infindáveis, renascem aqueles que foram factótum dos males, embrulhados nos tecidos dos resgates, experimentando, entre revoltas injustificáveis, o clima de dor e sombra que produziram para si mesmos.
     Ambientados à dominação e açoitados pelas vítimas que se demoram em outra vibração da vida, raramente têm o caráter capaz de suportar os impositivos evolutivos, deixando-os solapar pelo desânimo e pela acrimônia, que culminam no suicídio enganoso e cruel.
     Verdadeira chaga social, na velha Roma constituía honra dar a sua pela vida do Imperador, e não poucas vezes homens ilustres foram convidados ao suicídio, porque discordassem das diatribes e loucuras da sua época: Petrônio, o arbiter elegantiarum,7 Sêneca,8 o filósofo, passando à imortalidade o exemplo de Sócrates, o pai da Filosofia, que vem da Grécia antiga, condenado a beber cicuta. Todos eles, no entanto, sacrificados pela ferocidade do poder desmedido, tornaram suas vidas alicerces para as construções da dignidade humana, que sempre soube, também, expulsar do dorso os usurpadores e criminosos.
     A liberdade humana num crescendo transformou-se em degradante libertinagem, nos dias modernos, e fez-se fator preponderante para tornar o suicídio uma solução, considerando que o desvitalizar da pujança do caráter faz que o homem seja somente o seu exterior dourado e enganoso, não as suas qualidades morais elevadas.
     Período cíclico, que representa trânsito na evolução do ser e do planeta que o agasalha, o apagar das luzes da cultura otimista sob as sombras destrutivas do pessimismo impõe que surja um claro-escuro, uma fímbria representativa do acender de novas luzes que significam a madrugada do Novo Dia, no qual o aforismo latino Veneratio vitae9 estabelecerá novas linhas de comportamento humano e social, facultando ao homem a vitória sobre as tentações da fuga, o primitivismo das sensações – altos objetivos que devem caracterizar a própria Humanidade. (Espírito de Victor Hugo)
Notas do compilador: 1 - calceta = condenado à pena; 2 - opiado = preparado com ópio; 3 - azorrague = flagelo, punição; 4 - Nosce it ipsum = conceito que se encontrava inscrito no pórtico do Santuário de Delfos, em grego: "Gnöthi seauton" e que significa: "Conhece-te a ti próprio". Estrutura moral da filosofia de Sócrates; 5 - célicos = celestes; 6 - opimos = excelentes, férteis, ricos; 7 - Petrônio = escritor latino (I d.C.) a quem se atribui o Satyricon (obra que prosa e versos se misturam). Matou-se, cortando as veias do pulso; 8 - Sêneca = (4 a.C. - 65 d.C.). Filósofo, preceptor de Nero que lhe ordenou que cortasse os pulsos; 9 - Veneratio vitae = conceito básico da ética latina, que significa "Respeito pela Vida", em toda e qualquer manifestação.
                                                                                                                                                          
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publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 21:23
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