"DUAS VIDAS" - UM INDIVÍDUO

Narra-nos o eminente sábio Gabriel Delanne, considerado o Gigante do Espiritismo Científico, que um doente foi, em pleno consultório, acomedido de ataque epilético. Breve recobrou os sentidos, mas esquecido de haver pago de antemão a consulta médica. Outro epilético, caindo numa loja, levantou-se presto, e fugiu, deixando chapéu e carteira.

“Só voltei a mim – dizia -, depois de percorrer um quilômetro; procurava o chapéu em todas as lojas, mas na verdade, sem noção do que fazia. Esta, a bem dizer, só me veio uns dez minutos depois, quando chegava à estação do caminho de ferro”.

Um empregado de escritório foi, em plena atividade, e sem outro qualquer distúrbio, assaltado por idéias confusas. Lembrava-se, apenas, de haver jantado no restaurante, e depois disso nada lhe ocorria. Voltou ao restaurante e disseram-lhe que jantara, pagara e saíra bem disposto, como se nada sentisse. A obnubilação durara três quartos de hora, mais ou menos.

Examinemos este último caso, que explica os outros.

Durante quarenta e cinco minutos, a vertigem epiléptica subtraiu ao paciente a consciência de seus atos, mas lhe deixou o automatismo cerebral, e, aos olhos do público, era como se nada de extraordinário lhe houvera acontecido.

Que se passou, então? Acabamos de ver que, no estado normal, cada indivíduo tem, segundo a sua constituição fisiológica, uma tonicidade nervosa que lhe é peculiar, mediante a qual se lhe registram na consciência as sensações, com um mínimo de intensidade e outro mínimo de duração: ora, esse homem, atingido subitamente por um ataque epiléptico, tem, de inopino, modificadas as condições de funcionamento normal do sistema nervoso, de sorte a se modificarem, concomitantemente, a força vital e as vibrações perispirituais correspondentes: as sensações inscrevem-se-lhe no perispírito, e a alma as percebe, mas de outra maneira que não a normal.

De modo que, voltando a si, o paciente não tem noção do que sucedeu durante o ataque, enquanto, paralelamente, o automatismo cerebral, criado pelo hábito, levava-o a proceder como se o fizesse conscientemente. Acentuemos bem que não há duas individualidades nesse homem, que o eu é sempre o mesmo; mas durante o acesso, o ritmo no perispírito variou, as sensações inscreveram-se no organismo fluídico, modificado.

Quando o perispírito volta à tonicidade normal, isto é, cessada a crise, a alma não mais tem consciência do que ocorreu, pois as relações normais se restabeleceram, as sensações passam ao inconsciente, perdeu-se a memória.

É um fenômeno que pode se assimilado ao do sonho. Enquanto dormimos, nossa alma mantém-se em incessante atividade, mas as sensações internas são extremamente fracas, e, se parecem fortes, não é porque na realidade o sejam, mas porque nenhum estado forte existe para relegá-las a segundo plano.

Desde que recomece o estado de vigília, as imagens que não tiverem senão um mínimo de intensidade passam ao inconsciente: o sonho é esquecido. No exemplo do empregado de escritório, há dois gêneros de vida a se sucederem no mesmo indivíduo, ignorando-se uma à outra; mas, a existência extranormal não durou mais do que um quarto de hora e nós ignoramos se ela se reproduziu. BIBLIOGRAFIA: “A Evolução Anímica”- Gabriel Delanne.
 

O SEMEADOR – Outubro/1996

publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 00:01
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