Domingo, 07 De Junho,2009

O SANTUÁRIO DE ISMAEL


Irmão X

DE PORTAS ABERTAS, DIANTE DA paisagem escura em que se agitam os viajores humanos, o santuário de lsmael, no Brasil, reflete a luz da Boa Nova, em comunhão com as fontes celestiais.
Da região platina ao vale amazônico, traça caminhos sutis de redenção para o mundo inteiro, no cultivo da árvore augusta do Evangelho, transplantada pelos pomicultores do Alto, para o solo acolhedor da brasília esperança... Dia e noite, o seu leque gigantesco de claridades sublimes varre o céu constelado, descortinando ao Planeta o alvorecer da nova era.
Milhões de almas lhe conhecem o manto protetor, desdobrado em nome de Jesus, no apostolado regenerativo.
Onde palpite o mínimo anseio de renovação interior , aí comparece a sua mensagem, lenindo, reajustando, consolando, instruindo e reerguendo.. .
Sem cartazes berrantes, usa a clarim do amor, despertando os que "morreram" em pleno dia terrestre, operando milagres e disseminando bênçãos, na reestruturação de destinos mil cada hora...
O templo de lsmael, cujo coração pulsa, ditoso, na Federação Espírita Brasileira, não conhece inimigo, onde é defrontado pela injúria, e sim irmãos ignorantes, que se mostram credores de tolerância e esclarecimento. Não relaciona culpados, onde a justiça enxerga criminosos e, sim, infelizes, carecentes de ampara e colaboração. Não identifica perseguidores, onde a pedrada lhe surpreende os serviços, e sim desventurados que se recomendam ao concurso da prece. Não vê caluniadores, onde sofre o assédio da malícia ou da ingratidão, e sim companheiros intoxicados de personalisrno destruidor, que se fazem dignos do mais amplo silêncio. E, num vasto programa de compreensão evangélica, prossegue libertando os espíritos emparedados no cárcere das sombras, amolecendo corações petrificados no egoísmo, elevando a nível de autoconfiança naqueles que se descobriram no âmago do despenhadeiro, distribuindo alegria com os desesperançados, esclarecendo os que cobram tributos à insensatez e à ignorância, curando cegos e surdos sistemáticos, advertindo os que reprovam sem compaixão, consolando os que se restauram nos hospitais, reaquecendo as almas congeladas ao vento frio do desânimo, limpando a veste de quantos se precipitaram em antigos espojadouros de lama, eliminando a discórdia, educando a liberdade, controlando paixões, preparando a infância e a juventude para a dignidade do indivíduo e convidando criaturas de boa-vontade para o reino espiritual do trabalho com o Divino Mestre, em favor das crianças e dos velhos, dos cansados e dos tristes, dos loucos e dos doentes, dos fracos o dos fortes, dos justos e dos injustos, dos bons e dos maus.
Em franco ministério do amor, ilumina as almas por dentro, descerrando-lhes o caminho a seguir.
Aqui revela o órfão desamparado, ali, mostra o enfermo infeliz, além, descortina o quadro do sofrimento, ensinando a ciência da restauração e do auxílio, do socorro e da solidariedade, através do próprio exemplo na renúncia com que se consagra ao soerguimento o santificação da Humanidade.
Pela obra que realiza não pede louvores.
Pelos benefícios que espalha não lança o imposto do reconhecimento.
Confere o bem pelo mal, e pela abençoada luz que acende, através do livro cristão, no lar Brasileiro de oito milhões e meio de quilômetros quadrados, não reclama senão a possibilidade de continuar agindo e crescendo para servir a todos.
Ainda assim, na legítima sementeira da fraternidade e da elevação, conduzindo o estandarte da Era Nova pelas mãos abnegadas e valorosas dos obreiros fiéis que o servem, o santuário divino não se furta à guerra fria das trevas, recebendo, sem revolta, os golpes da maledicência e da suspeição, retribuindo-os com o entendimento e com a bondade daqueles que nunca se cansam de ajudar e progredir.
Grande templo de lsmael! Perdoa os peregrinos, em desespero, que te atravessam os pórticos sagrados sem alijar o barro das sandálias, auxilia a todos que ainda te não podem compreender e, de antenas erguidas para a Espiritualidade Superior, prossegue para diante, estendendo a Boa Nova a todos os quadrantes do mundo, sob o céu doce e claro do Brasil, em que resplandece, vitoriosa e sublime, a estrelada mensagem da Cruz!...
(Mensagem recebida pelo médium Francisco Cândido Xavier, em Pedro Leopoldo (MG), em 20-8-1950 e transcrita do "Reformador" de outubro de 1950 e junho de 1972.)REFORMADOR, JANEIRO, 1980
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Sexta-feira, 05 De Junho,2009

UM DESASTRE




Duarte Nunes enriquecera. Duas grandes farmácias, muito bem dirigidas, eram para ele duas galinhas de ovos de ouro. Dono do próprio tempo, não sabia usá-lo da maneira mais nobre e, por isso, estimava nas grandes emoções suas grandes fugas.
Corridas de cavalos, corridas de automóveis, concursos de lanchas...
Entusiasta de todas os esportes. Gastador renitente.
Apesar disso, era bom esposo e bom pai. De vez em vez, levava os filhinhos, Marilene e Murilo, às brigas de galos. O belo casal de garotos, porém, não gostava. Marilene voltava o rosto para não ver, e Murilo, forte petiz de quatro anos, chorava desapontado.
– Poltrão! – dizia, o pai, com adocicada ironia. E colocava os dois no carro para longo passeio. A esposa, muitas vezes presente, rogava aflita: “Nunes, mais devagar.” Ele, porém, sorria, sarcástico, e dava largas ao freio. Sessenta, oitenta quilômetros...
Noutras circunstâncias, era Elmo Bruno, o amigo inseparável, que advertia, quando o carro de luxo parecia comer o chão :
– Não corra assim. tanto... Olhe os pedestres!
– Que tenho eu lá com isso?
E Bruno explicava :
– Há pessoas distraídas, e crianças inconscientes. Nem sempre conseguem, de pronto, ver os sinais...
Duarte encerrava o capítulo, acrescentando :
– Rodas foram feitas para rodar. E depressa.
De outras vezes, era o próprio pai dele a aconselhá-lo, enquanto o veículo parecia voar :
– Meu filho, é preciso prudência... O volante pede calma... Penso que, além dos quarenta quilômetros, tudo é caminho para desastre...
– Frioleiras, papai – respondia Nunes, bem humorado, agravando o problema.
Sempre que exortado, corria mais.

II

– Meninos de apartamento, aves engaioladas!
– dizia a mamãe Duarte Nunes, abraçando os netos.
– Então – disse a pai, sorrindo –, preferem vovó?
– Sim, sim...
Decorridos minutos, saem todos na manhã domingueira.
Dona Branca desce com a nora, amparando as crianças, ao pé da própria casa a pleno sol de Ipanema e declara :
– Nossos pássaros prisioneiros querem hoje a largueza da praia. Vamos respirar... – Riram-se todos.
E o auto, conduzindo Nunca e Elmo, saiu em disparada,.
Mais tarde, Petrópolis.
Amigos improvisavam corridas de bicicletas.
Bandeirinhas. Anotações. Relógios era massa. Homens magros, pedalando, ansiosos e, por fim, o aguapé em hotel serrano, sob árvore" farfalhudas.
Ao virar da tarde, o regresso.
Todo o Rio inda vibra de sol.
– Porque não buscar, primeiro, a cerveja pura e gelada, em Copacabana? – perguntou Nunes, contente.
O carro devora o asfalto.
– Devagar, devagar... – pede o amigo.
Depois da cerveja, o retorno a casa. Nunes inicia a marcha, como quem decola.
– Devagar, devagar – roga o companheiro.
Ele ri. Desatende. A poucos minutos, ambos vêem um pequeno em maiô. Está só. Agita-se. E corre de través procurando o outro lado. Nunes tenta frear, mas é tarde. Atropela o garoto que tomba qual pluma ao vento.
Populares gritando. O menino estendido na rua é um pássaro que agoniza.
Sangue. Muito sangue. Nunes aflige-se.Elmo volta e vê. Ergue a criança, espantado, e caminha no rumo dele.
– Seja quem for – grita Nunes –, leve à nossa farmácia... Toda a despesa gratuita...
Todavia, o amigo, boquiaberto, apresenta-lhe a menino morto e exclama :
– Munes, este menino é...
– É quem? Diga logo – falou Mune, impaciente.
Mas não precisou de maiores minúcias, porque Bruno, traumatizado, disse-lhe apenas :
– É seu filho...

Irmão X
Do livro “Luz no Lar”, Espíritos Diversos. Psicografia de Francisco C. Xavier

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publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 23:39
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Sábado, 07 De Fevereiro,2009

DESPONTA MENTO DE UM SUICIDA

O generoso Rogério, excelente amigo do plano espiritual, que, desde muitos anos, vem consagrando as melhores energias ao serviço das entidades sofredoras, procurou-me para um convite.
– Queres acompanhar-me no trabalho de socorrer um desventurado suicida que sofre nas regiões inferiores, há trinta anos?
– Trinta anos? – interroguei, admirado.
– Outros existem, nos círculos de padecimentos atrozes, com mais dilatado tempo que esse – respondeu serenamente.
Por minha parte, não conseguia dissimular o assombro justo.
– Semelhantes angústias – retorqui – devem ser conseqüências de romance bem doloroso.
– Não tanto. No presente caso, ao lado do infortúnio, não podemos esquecer a irreflexão e a rebeldia.
A observação de Rogério espicaça-me a curiosidade.
– Gostaria de acompanhar-te, mas não me posso furtar ao desejo de conhecer alguma coisa da história dessa personagem que iremos visitar.
– É interessante – replicou-me –, entretanto, não é incomum. Homens numerosos se encontram, atualmente, em suas antigas condições.
E, depois de tomar posição como narrador engraçado e otimista, começou atencioso:
– Há cerca de trinta anos, Tomasino Pereira era empregado de uma tipografia no Rio de Janeiro. Temperamento singular e atrabiliário, jamais pudera evadir-se do circulo das lamentações estéreis. Não se fazia ouvir senão para comover os interlocutores com queixas acerbas. Lastimava-se incessantemente. Acusava o mundo, o país, o trabalho, os amigos. Em vão procuravam os companheiros injetar-lhe coragem e otimismo. O mísero estava sempre excessivamente nervoso ou irremediavelmente desalentado. A família numerosa, os deveres cotidianos, as contas mensais do armazém, açougueiro e padeiro, amedrontavam-lhe o espírito. Entretanto, a maior tragédia de Tomasino, na apreciação de si próprio, era o problema conjugal. A esposa ignorante não o compreendia. E em vez de melhorar-lhe as condições espirituais com carinho e paciência, levantando-lhe as concepções em busca dos horizontes superiores da vida, o infeliz gastava o tempo em promessas de pancada, ameaças de separação, gestos violentos e rudes. A situação enchia os filhinhos do casal de espanto e amargura, pois o chefe da casa, em desespero, dava a impressão de um louco, sem esperança de cura. Quando não esmurrava as mesas, em fúria doentia, mantinha-se em atitude de extrema desolação, apático, em prantos angustiosos. No quadro de seus afeiçoados, estava o Oscar Fraga, amigo de infância e de luta diária, que se valia das fases de desânimo do amigo para mais aproximar-se, tentando arrancar-lhe a alma das tempestades da incompreensão. O caso, porém, tornava-se mais complicado, dia a dia. Tomasino andava possuído de idéia sinistra. Alimentava o propósito de suicídio com preocupação crescente. No íntimo, sempre considerara os que fogem às tormentas da vida humana como criaturas privilegiadas e corajosas. Não era a melhor maneira de protestar contra o destino, retirar-se do mundo, em silêncio? Não lhe parecia a existência terrestre enorme banquete, onde alguns se serviam dos manjares, reservando-se a outros as ervas amargosas? Depor o fardo a meio do caminho, em seu modo de ver, constituía a atitude mais consentânea com a dignidade pessoal. No fundo, acreditava na existência de Deus, mas a cegueira de espírito não lhe deixava entrever o menor vislumbre das verdades essenciais, que o induziriam à coragem indispensável no combate comum. À medida que lhe crescia nalma a intenção de escapar à luta, mais se sentia herói.
Percebendo-lhe tão perigosas disposições, o Fraga, que era espiritista convicto, aproximou-se com mais vigor, trazendo-lhe a cooperação fraternal de que dispunha. Eram mensagens de suicidas desventurados, exortações evangélicas, páginas de consolação e reerguimento moral.
– Tudo isso é fumo de ilusão – exclamava Tomasino, desalentado –, ninguém pode regressar da poeira do túmulo. Creio em Deus e estou certo de que Ele, mais que ninguém, compreende minha dor.
Também eu – murmurava o companheiro, pacientemente – não ponho em dúvida o interesse amoroso do Altíssimo em nosso favor. Naturalmente entenderá nossas mágoas, mas não poderá tolerar nossas rebeldias.
– É isso! – gritava mais fortemente o infeliz – estou abandonado, tudo para mim está perdido! a desgraça colheu minha sorte, é preciso morrer. Tudo apodreceu, tudo caiu!...
E, enquanto o desventurado enxugava os olhos com o lenço, o companheiro retrucava com larga dose de bom humor:
– O nervosismo costuma também fugir à verdade. Não estás sendo reto.
– E ainda me acusas? – perguntava Tomasino, desgrenhado.
– Nem todas as coisas permanecem derrubadas – esclarecia o Fraga, calmamente –, pelo menos esta casa, que Deus transformou em ninho de teus filhos e onde encontramos refúgio para a conversação afetuosa, ainda está de pé.
A resposta parecia suavizar os abafamentos do interlocutor, pela nota de humorismo. Depois de alguns minutos pesados de meditação, Tomasino voltava em desalento:
– Mas... e Olinda?! se minha mulher compreendesse as necessidades justas, talvez que a vida se equilibrasse...
– Por que não lhe auxilias a alma inculta, empenhando nisso as melhores forças do coração? – inquiria o companheiro sensatamente. – Olinda não é má.
Como sabes, a ignorância tem arestas que é necessário desgastar. Além disso, nunca deverias esquecer que se trata da mãe de teus filhinhos. Deus não vos teria unido sem razões fortes, na estrada da vida imortal. Vejo, em tudo isso, a representação de teus débitos espirituais no passado e que se torna imprescindível resgatar.
Tomasino atalhava em tom irado :
– Não tens outro argumento senão esta história de reencarnações?
– Tenho, sim... – murmurava o Fraga, sem se perturbar.
É enquanto o outro o contemplava espantado :
– E indispensável que cada um saiba carregar a sua cruz redentora.
– És sempre fecundo nos conselhos! – clamava o mísero, desesperado.
O amigo, porém, sem qualquer irritação, prosseguia de bom humor :
– Estás enganado. Este conselho não é meu, é de Jesus - Cristo. Não me sinto devidamente iluminado para orientar a quem quer que seja ; no entanto, creio que concordarás comigo quanto à competência do Salvador.
A verdade, contudo, é que o Fraga sempre se retirava sem obter nenhum resultado satisfatório. Irascível, teimoso, impermeável aos benefícios da fé religiosa, Tomasino Pereira manteve-se inacessível a todos os processos de socorro espiritual. E na idéia orgulhosa de que poderia enfrentar o próprio Deus, a fim de inquirir o Criador, quanto aos enigmas do destino, uma noite tranqüila, sem que ninguém esperasse, estourou os miolos irrefletidamente.
A, narração movimentada levou-me a recordar alguns companheiros das tarefas humanas, impressionando-me, vivamente.
– Esse é o Espírito que encontraremos daqui a alguns instantes – concluiu Rogério com um sorriso generoso.
De fato, sem despender maior esforço, descemos a uma região de sombras muito espessas. Assemelhava-se, antes de tudo, a uma grande caverna pestilenta e úmida, como deveriam ser os calabouços da Idade Média. Viam-se ali criaturas estiradas, em gemidos lancinantes.
Conservando-se a distância, Rogério exortou-me a permanecer em sua companhia e enviou alguns auxiliares em busca do desventurado Tomasino.
O infeliz aproximou-se, de rastros. Parecia um monstro, tal a desfiguração pelo sofrimento. Observando os fluidos luminosos que envolviam Rogério a esperá-la, mísero supôs que defrontava um dos mais altos emissários de Deus. Enganado ainda pelas falsas concepções da Terra, começou a chorar, convulsivamente, acreditando que o Altíssimo lhe dispensava honrosas deferências, como se fora um herói esquecido, em revisão de processo.
– Anjo celeste – murmurou prostrando-se ante Rogério –, eu sabia que Deus me faria justiça. Fui um infortunado na Terra, vaguei como cão sem dono entre aqueles que desfrutavam o banquete da vida humana ; atravessei a existência incompreendido e aqui estou, em abandono, em pavorosa caverna de martírios, aguardando a Providência Divina...
As lágrimas caiam-lhe em suprema desesperação.
O interpelado, porém, mantinha-se em serenidade impassível e disse-lhe com firmeza :
– Tomasino, esquece o vício da queixa. Não sou um anjo celestial, sou teu irmão no mesmo caminho evolutivo. Não vim até aqui para arquivar as tuas lamentações, mas para sugerir-te calma e boa-vontade, atendendo a muitas rogativas dos que se interessam por ti. Não consta, no plano espiritual mais elevado, que hajas sido tão infeliz e sim que sempre foste rebelde aos alvitres divinos, quanto preguiçoso nas realizações para a vida eterna.
O suicida experimentou indisfarçável surpresa. Esperava que todos os emissários do mundo superior fossem portadores de uma doçura de mel. Viciado como criança caprichosa e exigente, não entendia a bondade fora dos prismas da ternura. Assustado, Tomasino assumiu atitude diversa.
– Venho para ser útil às tuas necessidades presentes – continuou Rogério sem emoção –, prestando-te este ou aquele informe que julgues necessário ao soerguimento do teu espírito.
Via-se que o choque fora benéfico a Tomasino. Começando a compreender que a responsabilidade não dispensa a energia, fazia esforços para esquecer as velhas lamúrias e enveredar por expressões sérias, condizentes com a sua posição espiritual.
– Desejaria receber notícias de meus filhos! – disse num gesto mais digno.
– Todos realizam as suas tarefas satisfatoriamente – esclareceu Rogério, delicado. – Como deves saber, as obras de Deus não sofrem solução de continuidade, porque este ou aquele dos trabalhadores delibere escapar aos compromissos assumidos. Teus filhos são homens de bem, úteis à sociedade de que são parte integrante e ativa; tuas filhas, nos dias que correm, são mães devotadas e generosas. Eles confiavam em ti, quando não possuías nenhuma parcela de confiança em ti mesmo. E porque hajas fugido ao lar, desamparando-os, nunca te esqueceram nas intercessões amorosas.
– Infeliz que fui! – exclamou o suicida com acento amarguroso.
– Devias afirmar, antes de tudo, que foste tolo!
Extremamente desapontado, Tomasino quis desviar o assunto e interrogou :
– Creio que tendes poder para auxiliar-me. Que devo fazer para melhorar esta situação? Sinto a cabeça tonta, sem direção... Desejaria, pelo menos, alcançar um tantinho de saúde...
– Perguntaste bem – disse-lhe o meu amigo –, esse desejo evidencia as tuas melhoras espirituais. O que te poderá restaurar a saúde e o equilíbrio é a nova aplicação de terra.
– Aplicação de terra? – revidou Tomasino assombrado.
– Sim, terás de ser revestido, novamente, de um corpo terrestre. No Planeta encontrarás o remédio para teus males. Despedaçaste o crânio e voltarás a exibir, no mundo, o crânio despedaçado. Não te faltará a medicação...
– Medicação?
– Perfeitamente – esclareceu Rogério –, o idiotismo, a loucura, o desequilíbrio nervoso...
– São doenças – atalhou o suicida prontamente.
– É verdade, Tomasino, os seres terrenos ainda não compreenderam ; mas, enquanto curam as enfermidades, acabam curados por elas. Aceitas, pois, o remédio do porvir?
Reconhecia-se o pavor do infeliz, em face da indicação, mas, ao cabo de longos minutos de meditação, murmurou humilhado:
– Aceito... Quando deverei voltar?
– Quando nossa irmã Olinda estiver em condições de te receber nos braços maternos.
O suicida compreendeu e entrou em profundo silêncio.
Daí a instantes, era novamente recolhido ao seu cárcere de dor. Acerquei-me, então, de Rogério, admirado. Meu amigo trazia agora os olhos úmidos, revelando enorme piedade e comoção. Antes que lhe fizesse qualquer pergunta, tomou-me delicadamente o braço e murmurou compungido:
– Imensa é a tragédia dos Espíritos sofredores. Mas, no auxílio efetivo, é indispensável considerar que cada doente reclama o seu remédio. A maioria dos suicidas requisita a dureza e a ironia para que possa entender a verdade. Até que se verifique a próxima experiência terrestre, Tomasino Pereira estudará sinceramente a própria situação e não se queixará mais...

Humberto de campos
Livro “Reportagens e Além Túmulo”. Psicografia de Francisco Cândido Xavier.



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publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 18:29
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Sexta-feira, 06 De Fevereiro,2009

MÃE

Quando Jesus ressurgiu do túmulo, a negação e a dúvida imperavam no círculo dos companheiros.
Voltaria Ele? perguntavam, perplexos. Quase impossível. Seria Senhor da Vida Eterna quem se entregara na cruz, expirando entre malfeitores?
Maria Madalena, porém, a renovada, vai ao sepulcro de manhãzinha. E, maravilhosamente surpreendida, vê o Mestre, ajoelhando-se-lhe aos pés. Ouve-lhe a voz repassada de ternura, fixa-lhe o olhar sereno e magnânimo. Entretanto, para que a visão se lhe fizesse mais nítida, foi necessário organizar o quadro exterior. O jardim reacendia perfumes para a sua sensibilidade feminina, a sepultura estava aberta, compelindo-a a, raciocinar. Para que a gravação das imagens se tornasse bem clara, lavando-lhe todas as dúvidas da imaginação, Maria julgou a princípio que via o jardineiro. Antes da certeza, a perquirição da mente precedendo a consolidação da fé. Embriagada de júbilo, a convertida de Magdala transmite a boa-nova aos discípulos confundidos. Os olhos sombrios de quase todos se enchem de novo brilho.
Outras mulheres, como Joana de Khouza e Maria, mãe de Tiago, dirigem-se, ansiosas, para, o mesmo local, conduzindo perfumes e preces gratulatórias. Não enxergam o Messias, mas entidades resplandecentes lhes falam do Mestre que partiu.
Pedro e João acorrem, pressurosos, e ainda vêem a pedra removida, o sepulcro vazio e apalpam os lençóis abandonados.
No colégio dos seguidores, travam-se polêmicas discretas.
Seria? não seria?
Contudo, Jesus, o Amigo Fiel, mostra-se aos aprendizes no caminho de Emaús, que lhe reconhecem a presença ao partir do pão e, depois, aparece aos onze cooperadores, num salão de Jerusalém. As portas permanecem fechadas e, no entanto, o Senhor demora-se, junto deles, plenamente materializado. Os discípulos estão deslumbrados, mas o olhar do Messias é melancólico. Diz-nos João Marcos que o Mestre lançou-lhes em rosto a incredulidade e a dureza de coração. Exorta-os a que o vejam, que o apalpem. Tomé chega a consultar-lhe as chagas para adquirir a certeza do que observa. O Celeste Mensageiro faz-se ouvir para todos. E, mais tarde, para que se convençam os companheiros de sua presença e da continuidade de seu amor, segue-os, em espírito, no labor da pesca. Simão Pedro regista-lhe carinhosas recomendações, ao lançar as rêdes, e encontra-o nas preces solitárias da noite.
Em seguida, para que os velhos amigos se certifiquem da ressurreição, materializa-se num monte, aparecendo a quinhentas pessoas da Galiléia.
No Pentecostes, a fim de que os homens lhe recebam o Evangelho do Reino, organiza fenômenos luminosos e lingüísticos, valendo-se da colaboração dos companheiros, ante judeus e romanos, partos e medas, gregos e elamitas, cretenses e árabes. Maravilha-se o povo. Habitantes da Panfília e da Líbia, do Egito e da Capadócia ouvem a Boa-Nova no idioma que lhes é familiar.
Decorrido algum tempo, Jesus resolve modificar o ambiente farisaico e busca Saulo de Tarso para o seu ministério; entretanto, para isso, é compelido a materializar-se no caminho de Damasco, à plena luz do dia. O perseguidor implacável, para convencer-se, precisa experimentar a cegueira temporária, após a claridade sublime; e para que Ananias, o servo leal, dissipe o temor e vá socorrer o ex-verdugo, é imprescindível que Jesus o visite, em pessoa, lembrando-lhe o obséquio fraternal.
Todos os companheiros, aprendizes, seguidores e beneficiários solicitaram a cooperação dos sentidos físicos para sentir a presença do Divino Ressuscitado. Utilizaram-se dos olhos mortais, manejaram o tato, aguçaram os olvidos...
Houve, contudo, alguém que dispensou todos os toques e associações mentais, vozes e visões. Foi Maria, sua Divina Mãe. O Filho Bem-Amado vivia eternamente, no infinito mundo de seu coração. Seu olhar contemplava-o, através de todas as estrêla do Céu e encontrava-lhe o hálito perfumado em todas as flores da Terra. A voz d’Êle vibrava em sua alma e para compreender-lhe a sobrevivência bastava penetrar o iluminado santuário de si mesma, Seu Filho – seu amor e sua vida – poderia, acaso, morrer? E embora a saudade angustiosa, consagrou-se à fé no reencontro espiritual, no plano divino, sem lágrimas, sem sombras e sem morte!...
Homens e mulheres do mundo, que haveis de afrontar, um dia, a esfinge do sepulcro, é possível que estejais esquecidos plenamente, no dia imediato ao de vossa partida, a caminho do Mais Além. Familiares e amigos, chamados ao imediatismo da luta humana, passarão a desconhecer-vos, talvez, por completo. Mas, se tiverdes um coração de mãe pulsando na Terra, regozijar-vos-eis, além da escura fronteira de cinzas, porque aí vivereis amados e felizes para,sempre!
Irmão X
Livro “Lázaro Redivivo”. Psicografia de Francisco Cândido Xavier.


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Terça-feira, 03 De Fevereiro,2009

MARIA

Junto da cruz, o vulto agoniado de Maria produzia dolorosa e indelével impressão. Com o pensamento ansioso e torturado, olhos fixos ao madeiro das perfídias humanas, a ternura materna regredia ao passado em amarguradas recordações. Ali estava o filho bem-amado, na hora extrema.
Maria deixava-se ir na corrente infinda das lembranças. Eram as circunstâncias maravilhosas em que o nascimento de Jesus lhe fora anunciado, a amizade de Isabel, as profecias do velho Simeão, reconhecendo que a assistência de Deus se tornara incontestável, nos menores detalhes de sua vida. Naquele instante supremo, revia a manjedoura, na sua beleza agreste, sentindo que a Natureza parecia desejar redizer aos seus ouvidos o cântico de glória daquela noite inolvidável. Através do véu espesso das lágrimas, repassou, uma por uma, as cenas da infância do filho estremecido, observando o alarma interior das mais doces reminiscências.
Nas menores coisas, reconhecia a intervenção da Providência celestial; entretanto, naquela hora, seu pensamento vagava também pelo vasto mar das mais aflitivas interrogações.
Que fizera Jesus por merecer tão amargas penas? Não o vira crescer de sentimentos imaculados, sob o calor de seu coração? Desde os mais tenros anos, quando o conduzia a fonte tradicional de Nazaré, observava o carinho fraterno que dispensava a todas as criaturas. Frequentemente, ia buscá-lo nas ruas empedradas, onde a sua palavra carinhosa consolava os transeuntes desamparados e tristes. Viandantes misérrimos vinham a sua casa modesta louvar o filhinho idolatrado, que sabia distribuir as bênçãos do Céu. Com que enlevo recebia os hóspedes inesperados que suas mãos minúsculas conduziam a carpintaria de José!... Lembrava-se bem que, um dia, a divina criança guiara à casa dois malfeitores, publicamente reconhecidos como ladrões do vale de Mizhep. E era de ver-se a amorosa solicitude com que seu vulto pequenino cuidava dos desconhecidos, como se fossem seus irmãos. Muitas vezes, comentara a excelência daquela virtude santificada, receando pelo futuro de seu adorável filhinho.
Depois da cariciosa paisagem doméstica, era a missão celestial, dilatando-se em colheita de frutos maravilhosos. Eram paralíticos que retomavam os movimentos da vida, cegos que se reintegravam nos sagrados dons da vista, criaturas famintas de luz e de amor que se saciavam na sua lição de infinita bondade.
Que profundos desígnios haviam conduzido seu filho adorado cruz do suplicio?
Uma voz amiga lhe falava ao espírito, dizendo das determinações insondáveis e justas de Deus, que precisam ser aceitas, para a redenção divina das criaturas. Seu coração rebentava em tempestades de lagrimas irreprimíveis; contudo, no santuário da consciência, repetia a sua afirmação de sincera humildade: “Faça-se na escrava a vontade do Senhor!”
De alma angustiada, notou que Jesus atingira o último limite dos padecimentos inenarráveis. Alguns dos populares mais exaltados multiplicam as pancadas, enquanto as lanças riscavam o ar, em ameaças audaciosas e sinistras. Ironias mordazes eram proferidas a esmo, dilacerando-lhe a alma sensível e afetuosa.
Em meio de algumas mulheres compadecidas que lhe acompanhavam o angustioso transe, Maria reparou que alguém lhe Pousara as mãos, de leve, sobre os ombros.
Deparou-se-lhe a figura de João que, vencendo pusilanimidade criminosa em que haviam mergulhado os demais companheiros lhe estendia os braços amorosos e reconhecidos Silenciosamente, o filho de Zebedeu abraçou-se aquele triturado coração maternal Maria deixou-se enlaçar pelo discípulo querido e ambos, ao pé do madeiro, em gesto súplice, buscaram ansiosamente a luz daqueles olhos misericordiosos, no cúmulo dos tormentos Foi aí que a fronte do divino supliciado se moveu vagarosamente revelando perceber a ansiedade daquelas duas almas em extremo desalento.
-“Meu filho! Meu amado filho!..." . Exclamou a mártir, em aflição, frente Serenidade daquele olhar de melancolia intraduzível
O Cristo pareceu meditar no auge de suas dores, mas, como se quisesse demonstrar, no instante derradeiro a grandeza de sua coragem e a sua perfeita comunhão com Deus, replicou com significativo movimento dos olhos vigilantes:
-Mãe, eis ai teu filho!... — E, dirigindo-se, de modo especial, com um leve aceno, ao apóstolo, disse: — “Filho, eis ai tua mãe!”
Maria envolveu-se no véu de seu pranto doloroso, mas o grande evangelista Compreendeu que o Mestre, na sua derradeira lição, ensinava que o amor universal era o sublime coroamento de sua obra. Entendeu que, no futuro, a claridade do Reino de Deus revelaria aos homens a necessidade da cessação de todo egoísmo e que, no santuário de cada coração, deveria existir a mais abundante cota de amor, não só para o circulo familiar, senão para todos os necessitados do mundo, e que no templo de cada habitação permaneceria a fraternidade real, para que a assistência recíproca se praticasse na Terra, sem serem precisos os edifícios exteriores, consagrados a uma solidariedade claudicante.
Por muito tempo, conservaram-se ainda ali, em preces silenciosas, até que o Mestre, exânime, fosse arrancado à cruz, antes que a tempestade mergulhasse a paisagem castigada de Jerusalém num dilúvio de sombras.
Após a separação dos discípulos, que se dispersaram por lugares diferentes, para a difusão da Boa-Nova, Maria retirou-se para a Batanéia, onde alguns parentes mais próximos a esperavam com especial carinho.
Os anos começaram a rolar, silenciosos e tristes, para a angustiada saudade de seu coração.
Tocada por grandes dissabores, observou que, em tempo rápido, as lembranças do filho amado se convertiam em elementos de ásperas discussões entre os seus seguidores. Na Batanéia, pretendia-se manter uma certa aristocracia espiritual, por efeito dos laços consangüíneos que ali a prendiam, em virtude dos elos que a ligavam a José. Em Jerusalém, degladiavam-se os cristãos e os judeus, com Veemência e acrimônia. Na Galiléia, os antigos cenáculos simples e amoráveis da natureza estavam tristes e, desertos.
Para aquela mãe amorosa, cuja alma digna observava que o vinho generoso de Cana se transformara no vinagre do martírio, o tempo assinalava sempre uma saudade maior no mundo e uma esperança cada vez mais elevada no céu.
Sua vida era uma devoção incessante ao rosário imenso da saudade, às lembranças mais queridas. Tudo que o passado feliz edificara em seu mundo interior revivia na tela de suas lembranças, com minúcias somente conhecidas do amor, e lhe alimentavam a Seiva da vida.
Relembrava, o seu Jesus pequenino, como naquela noite de beleza prodigiosa, em que o recebera nos braços maternais, iluminado pelo mais doce mistério. Figurava-se-lhe escutar ainda o balido das ovelhas que vinham apressadas acercar-se do berço que se formara de improviso. E aquele primeiro beijo, feito de carinho e de luz? As reminiscências envolviam a realidade longínqua de singulares belezas para o seu coração sensível e generoso. Em seguida, era o rio das recordações desaguando, sem cessar, na sua alma rica de sentimentalidade e ternura. Nazaré lhe voltava à imaginação, com as suas paisagens de felicidade e de luz. A casa singela, a fonte amiga, a sinceridade das afeições, o lago majestoso e, no meio de todos os detalhes, o filho adorado, trabalhando e amando, no erguimento da mais elevada concepção de Deus, entre os homens da Terra. De vez em quando, parecia vê-lo em seus sonhos repletos de esperança. Jesus lhe prometia o júbilo encantador de sua presença e participava da caricia de suas recordações.
A esse tempo, o filho de Zebedeu, tendo presentes as observações que o Mestre lhe fizera da cruz, surgiu na Batanéia, oferecendo àquele espírito saudoso de mãe o refúgio amoroso de sua proteção. Maria aceitou o oferecimento, com satisfação imensa.
E João lhe contou a sua nova vida. Instalara-se definitivamente em Éfeso, onde as idéias cristãs ganhavam terreno entre almas devotadas e sinceras. Nunca olvidara as recomendações do Senhor e, no intimo, guardava aquele titulo de filiação como das mais altas expressões de amor universal para com aquela que recebera o Mestre nos braços veneráveis e carinhosos.
Maria escutava-lhe as confidências, num misto de reconhecimento e de ventura.
João continuava a expor-lhe os seus planos mais insignificantes. Levi-la-ia consigo, andariam ambos na mesma associação de interesses espirituais. Seria seu filho desvelado, enquanto que receberia de sua alma generosa a ternura maternal, nos trabalhos do Evangelho. Demorara-se a vir, explicava o filho de Zebedeu, porque lhe faltava uma choupana, onde se pudessem abrigar; entretanto, um dos membros da família real de Adiabene, convertido ao amor do Cristo, lhe doara uma casinha pobre, ao sul de Éfeso, distando três léguas aproximadamente da cidade. A habitação simples e pobre demorava num promontório, de onde se avistava o mar. No alto da pequena colina, distante dos homens e no altar imponente da Natureza, se reuniriam ambos para cultivar a lembrança permanente de Jesus. Estabeleceriam um pouso e refúgio aos desamparados, ensinariam as verdades do Evangelho a todos os espíritos de boa vontade e, como mãe e filho, iniciariam uma nova era de amor, na comunidade universal.
Maria aceitou alegremente.
Dentro de breve tempo, instalaram-se no seio amigo da Natureza, em frente do oceano. Éfeso ficava pouco distante; porém, todas as adjacências se povoavam de novos núcleos de habitações alegres e modestas. A casa de João, ao cabo de algumas semanas, se transformou num ponto de assembléias adoráveis, onde as recordações do Messias eram cultuadas por espíritos humildes e sinceros.
Maria externava as suas lembranças. Falava dele com maternal enternecimento, enquanto o apóstolo comentava as verdades evangélicas, apreciando os ensinos recebidos. Vezes inúmeras, a reunião somente terminava noite alta, quando as estrelas tinham maior brilho. E não foi só. Decorridos alguns meses, grandes fileiras de necessitados acorriam ao sitio singelo e generoso. A noticia de que Maria descansava agora entre eles espalhara um clarão de esperança por todos os sofredores. Ao passo que João pregava na cidade as verdades de Deus, ela atendia, no pobre santuário doméstico, aos que a procuravam, exibindo-lhes suas úlceras e necessidades·.
Sua choupana era, então, conhecida pelo nome de “Casa da Santíssima”.
O fato tivera origem em certa ocasião, quando um miserável leproso, depois de aliviado em suas chagas, lhe osculou as mãos, reconhecidamente murmurando:
—“Senhora, sois a mãe de nosso Mestre e nossa Mãe Santíssima”.
A tradição criou raízes em todos os espíritos. Quem não lhe devia o favor de uma palavra maternal nos momentos mais duros? E João consolidava o conceito, acentuando que o mundo lhe seria eternamente grato, pois Fora pela sua grandeza espiritual que o Emissário de Deus pudera penetrar a atmosfera escura e pestilenta do mundo para balsamizar os sofrimentos da criatura, Na sua humildade sincera, Maria se esquivava às homenagens afetuosas dos discípulos de Jesus, mas aquela confiança filial com que lhe reclamavam a presença era para sua alma um brando e delicioso tesouro do coração. O titulo de maternidade fazia vibrar em seu espírito os cânticos mais doces. Diária mente, acorriam os desamparados, suplicando a sua assistência espiritual. Eram velhas trôpegas e desenganadas do mundo, que lhe vinham ouvir as palavras confortadoras e afetuosas, enfermos que invocavam a sua proteção, mães infortunadas que pediam a bênção de seu carinho.
— “Minha mãe — dizia um dos mais aflitos — como poderei vencer as minhas dificuldades? Sinto-me abandonado na estrada escura da vida...”.
Maria lhe enviava o olhar amoroso da sua bondade, deixando nele transparecer toda a dedicação enternecida de seu espírito maternal.
—“Isso também passa! — dizia ela, carinhosamente — só o Reino de Deus bastante forte para nunca passar de nossas almas, Como eterna realização do amor celestial.”.
Seus conceitos abrandavam a dor dos mais desesperados, desanuviavam o pensamento obscuro dos mais acabrunhados.
A igreja de Éfeso exigia de João a mais alta expressão de sacrifício pessoal, pelo que, com o decorrer do tempo, quase sempre Maria estava só, quando a legião humilde dos necessitados descia o promontório desataviado, rumo aos lares mais confortados e felizes. Os dias e as semanas, os meses e os anos passaram incessantes, trazendo-lhe as lembranças mais ternas. Quando sereno e azulado, o mar lhe fazia voltar memória o Tiberiades distante. Surpreendia no ar alquiles perfumes vagos que enchiam a alma da tarde, quando seu filho, de quem nem um instante se esquecia, reunindo os discípulos amados, transmitia ao coração do povo as louçanias da Boa-Nova. A velhice não lhe acarretara nem cansaços, nem amarguras. A certeza da proteção divina lhe proporcionava ininterrupto consolo. Como quem transpõe o dia em labores honestos e proveitosos, seu coração experimentava grato repouso, iluminado pelo luar da esperança e pelas estrelas fulgurantes da crença imorredoura. Suas meditações eram suaves colóquios com as reminiscências do filho muito amado.
Súbito recebeu noticias de que um período de dolorosas perseguições se havia aberto para todos os que fossem fiéis à doutrina do seu Jesus divino. Alguns cristãos banidos de Roma traziam a Éfeso as tristes informações. Em obediência aos éditos mais injustos, escravizavam-se os seguidores do Cristo, destruiam-se-lhes os lares, metiam-nos a ferros nas prisões. Falava-se de festas públicas, em que seus corpos eram dados como alimento a feras insaciáveis, em horrendos espetáculos.
Então, num crepúsculo estrelado, Maria entregou-se às orações, como de costume, pedindo a Deus por todos aqueles que se encontrassem em angústias do coração, por amor de seu filho.
Embora a solenidade do ambiente, não se sentia só; uma como força singular lhe banhava a alma toda. Aragens suaves sopravam do oceano, espalhando os aromas da noite que se povoava de astros amigos e afetuosos e, em poucos minutos, a lua plena participava, igualmente, desse concerto de harmonia e de luz.
Enlevada nas suas meditações, Maria viu aproximar-se o vulto de um pedinte.
— “Minha mãe — exclamou o recém-chegado, como tantos outros que recorriam ao seu carinho venho fazer-te companhia e receber a tua bênção”.
Maternalmente, ela o convidou a entrar, impressionada com aquela voz que lhe inspirava profunda simpatia. O peregrino lhe falou do céu, confortando-a delicadamente Comentou as bem-aventuranças divinas que aguardam a todos os devotados e sinceros filhos de Deus, dando a entender que lhe compreendia as mais ternas saudades do coração. Maria sentiu-se empolgada por tocante surpresa. Que mendigo seria alquile que lhe acalmava as dores secretas da alma saudosa, com bálsamos tão dulçurosos? Nenhum lhe surgira até então para dar; era sempre para pedir alguma coisa. No entanto, aquele viandante desconhecido lhe derramava no intimo as mais santas consolações. Onde ouvira aquela voz meiga e carinhosa, noutros tempos?! Que emoções eram aquelas que lhe faziam pulsar o coração de tanta caricia? Seus olhos se umedeceram de Ventura, sem que conseguisse explicar a razão de sua terna emotividade.
Foi quando o hóspede anônimo lhe estendeu as mãos generosas e lhe falou com profundo acento de amor:
— “Minha mãe, vem aos meus braços!”.
Nesse instante, fitou as mãos nobres que se lhe ofereciam, num gesto da mais bela ternura. Tomada de comoção profunda, viu nelas duas chagas, como as que seu filho revelava na cruz e, instintivamente, dirigindo o olhar ansioso para os pés do peregrino amigo, divisou também ai as viceras causadas pelos cravos do suplicio. Não pode mais. Compreendendo a visita amorosa que Deus lhe enviava ao coração, bradou com infinita alegria:
— “Meu filho”! meu filho! as úlceras que te fizeram!...
E, precipitando-se para ele, como mãe carinhosa e desvelada, quis certificar-se, tocando a ferida que lhe fora produzida pelo último lançaço, perto do coração. Suas mãos ternas e solicitas o abraçaram na sombra visitada pelo luar, procurando sofregamente a úlcera que tantas lagrimas lhe provocara ao carinho maternal. A chaga lateral também lá estava, sob a caricia de suas mãos. Não conseguiu dominar o seu intenso júbilo. Num ímpeto de amor, fez um movimento para se ajoelhar. Queria abraçar-se aos pés do seu Jesus e osculá-los com ternura. Ele, porém, levantando-se, cercado de um halo de luz celestial, se lhe ajoelhou aos pés e, beijando-lhe as mãos, disse em carinhoso transporte:
—“Sim, minha mãe, sou eu!... Venho buscar-te, pois meu Pai quer que sejas no meu reino a Rainha dos Anjos!...”.
Maria cambaleou, tomada de inexprimível ventura. Queria dizer da sua felicidade, manifestar seu agradecimento a Deus; mais, o corpo como que se lhe paralisara, enquanto aos seus ouvidos chegavam os ecos suaves da saudação do Anjo, qual se a entoassem mil vozes cariciosas, por entre as harmonias do céu.
Ao outro dia, dois portadores humildes desciam a Éfeso, de onde regressaram com João, para assistir aos últimos instantes daquela que lhes era a devotada Mãe Santíssima.
Maria já não falava. Numa inolvidável expressão de serenidade, por longas horas ainda esperou a ruptura dos derradeiros laços que a prendiam à vida material.
A alvorada desdobrava o seu formoso leque de luz quando aquela alma eleita se elevou da Terra, onde tantas vezes chorara de júbilo, de saudade e de esperança. Não mais via seu filho bem-amado, que certamente a esperaria, com as boas-vindas, no seu reino de amor; mas, extensas multidões de entidades angélicas a cercavam cantando hinos de glorificação.
Experimentando a sensação de se estar afastando do mundo, desejou rever a Galiléia com os seus sítios preteridos. Bastou a manifestação de sua vontade para que a conduzissem à região do lago de Genesaré, de maravilhosa beleza. Reviu todos os quadros do apostolado de seu filho e, só agora, observando do alto a paisagem, notava que o Tiberíades, em seus contornos suaves, apresentava a forma quase perfeita de um alaúde. Lembrou-se, então, de que naquele instrumento da Natureza Jesus cantara o mais belo poema de vida e amor, em homenagem a Deus e à humanidade. Aquelas águas mansas, filhas do Jordão marulhoso e calmo, haviam sido as cordas sonoras do cântico evangélico.
Dulcíssimas alegrias lhe invadiam o coração e já a caravana espiritual se dispunha a partir, quando Maria se lembrou dos discípulos perseguidos pela crueldade do mundo e desejou abraçar os que ficariam no vale das sombras, à espera das claridades definitivas do Reino de Deus. Emitindo esse pensamento, imprimiu novo impulso ás multidões espirituais que a seguiam de perto. Em poucos instantes, seu olhar divisava uma cidade soberba e maravilhosa, espalhada sobre colinas enfeitadas de carros e monumentos que lhe provocavam assombro. Os mármores mais ricos esplendiam nas magnificentes vias públicas, onde as liteiras patrícias passavam sem cessar, exibindo pedrarias e peles, sustentadas por misérrimos escravos. Mais alguns momentos e seu olhar descobria outra multidão guardada a ferros em escuros calabouços. Penetrou os sombrios cárceres do Esquilino, onde centenas de rostos amargurados retratavam padecimentos atrozes. Os condenados experimentaram no coração um consolo desconhecido.
Maria se aproximou de um a um, participou de suas angústias e orou com as suas preces, cheias de sofrimento e confiança. Sentiu-se mãe daquela assembléia de torturados pela injustiça do mundo. Espalhou a caridade misericordiosa de seu espírito entre aquelas fisionomias pálidas e tristes. Eram anciães que confiavam no Cristo, mulheres que por ele haviam desprezado conforto do lar, jovens que depunham no Evangelho do Reino toda a sua esperança. Maria aliviou-lhes o coração e, antes de partir, sinceramente desejou deixar-lhes nos espíritos abatidos uma lembrança perene. Que possuía para lhes dar? Deveria suplicar a Deus para eles a liberdade?! Mas, Jesus ensinara que com ele todo jugo é suave e todo tardo seria leve, parecendo-lhe melhor a escravidão com Deus do que a falsa liberdade nos desvãos do mundo. Recordou que seu filho deixara a força da oração como um poder incontrastável entre os discípulos amados. Então, rogou ao Céu que lhe desse a possibilidade de deixar entre os cristãos oprimidos a força da alegria. Foi quando, aproximando-se de uma jovem encarcerada, de rosto descarnado e macilento, lhe disse ao ouvido:
— “Canta, minha filha! Tenhamos bom ânimo!... Convertamos as nossas dores da Terra em alegrias para o Céu!..”
A triste prisioneira nunca saberia compreender o porquê da emotividade que lhe fez vibrar subitamente o coração. De olhos extáticos, contemplando o firmamento luminoso, através das grades poderosas, ignorando a razão de sua alegria, cantou um hino de profundo e enternecido amor a Jesus, em que traduzia a sua gratidão pelas dores que lhe eram enviadas, transformando todas as suas amarguras em consoladoras rimas de júbilo e esperança. Daí a instantes, seu canto melodioso era acompanhado pelas centenas de vozes dos que choravam no cárcere, aguardando o glorioso testemunho.
Logo, a caravana majestosa conduziu ao Reino do Mestre a bendita entre as mulheres e, desde esse dia, nos tormentos mais duros, os discípulos de Jesus têm cantado na Terra, exprimindo o seu bom ânimo e a sua alegria, guardando a suave herança de nossa Mãe Santíssima.
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Por essa razão, irmãos meus, quando ouvirdes o cântico nos templos das diversas famílias religiosas do Cristianismo, não vos esqueçais de fazer no coração um brando silêncio, para que a Rosa Mística de Nazaré espalhe aí o seu perfume!


Maravilhas do santuário, antes alguns minutos de internar-se pelas estradas banhadas de sol, a caminho de sua Galiléia distante.

Dai a algum tempo, depois de haver passado por Nazaré, descansando igualmente em Cana, Jesus se encontrava nas circunvizinhanças da cidadezinha de Cafarnaurn, como se procurasse, com viva atenção, algum amigo que estivesse sua espera.
Em breves instantes, ganhou as margens do Tiberiades e se dirigiu, resolutamente, a um grupo alegre de pescadores, como se, de antemão, os conhecesse a todos.
A manhã era bela, no seu manto diáfano de radiosas neblinas. As águas transparentes vinham beijar os eloendros da praia, como se brincassem ao sopro das virações perfumadas da Natureza. Os pescadores entoavam uma cantiga rude e, dispondo inteligentemente as barcaças móveis, deitavam as redes, em meio de profunda alegria.
Jesus aproximou-se do grupo e, assim que dois deles desembarcaram em terra, falou-lhes com amizade:
Simão e André, filhos de Jonas, venho da parte de Deus e vos convido a trabalhar pela instituição de seu reino na Terra!
André lembrou-se de já o ter visto, nas cercanias de Betsaida e do que lhe haviam dito a seu respeito, enquanto que Simão, embora agradavelmente surpreendido, o contemplava, enleado. Mas,quase a um só tempo, dando expansão aos seus temperamentos acolhedores e sinceros, exclamariam, respeitosamente:
— Sede benvindo!...
Jesus então lhes falou docemente do Evangelho, com o olhar incendido de júbilos divinos.
Estando muitos outros companheiros do lago a observar de longe os três, André, manifestando a sua tocante ingenuidade exclamou comovido:
— Um rei? Mas em Cafarnaum existem tão poucas casas!...
Ao que Pedro obtemperou, como se a boa vontade devesse suprir todas as deficiências:
— O lago é muito grande e há várias aldeias circundando estas águas.. O reino poderá abrangê-las todas!.
Isso dizendo, fixou em Jesus o olhar perquiridor, como se fora uma grande criança meiga e sincera, desejosa de demonstrar compreensão e bondade. O Senhor esboçou um sorriso sereno e, como se adiasse com prazer as suas explicações para mais tarde, inquiriu generosamente:
— Quereis ser meus discípulos?
André e Simão se interrogaram a si mesmos, permutando sentimentos de admiração embevecida Refletia Pedro: que homem seria aquele? onde já lhe escutara o timbre carinhoso da voz intima e familiar? Ambos os pescadores se esforçavam por dilatar o domínio de suas lembranças, de modo a encontrá-lo nas recordações mais queridas. Não sabiam, porém, como explicar aquela fonte de confiança e de amor que lhes brotava no âmago do espírito e, sem hesitarem, sem uma sombra de dúvida, responderam simultaneamente.
— Senhor, seguiremos os teus passos.
Jesus os abraçou com imensa ternura e, como os demais companheiros se mostrassem admirados e trocassem entre si ditérios ridicularizadores, o Mestre, acompanhado de ambos e de grande grupo de curiosos, se encaminhou para o centro de Cafarnaum, onde se erguia a Intendência de Antipas. Entrou calmamente na coletoria e, avistando um funcionário culto, conhecido publicano da cidade, perguntou-lhe:
— Que fazes tu, Levi?
O interpelado fixou-o com surpresa; mas, seduzido pelo suave magnetismo de seu olhar, respondeu sem demora:
— Recolho os impostos do povo, devidos a Herodes.
— Queres vir comigo para recolher os bens do céu? — Perguntou-lhe Jesus, com firmeza e doçura.
Levi, que seria mais tarde o apóstolo Mateus, sem que pudesse definir as santas emoções que lhe dominaram a alma, atendeu comovido:
— Senhor, estou pronto!...
— Então, vamos. — Disse Jesus, abraçando-o.
Em seguida, o numeroso grupo se dirigiu para a casa de Simão Pedro, que oferecera ao Messias acolhida sincera em sua residência humilde, onde o Cristo fez a primeira exposição de sua consoladora doutrina, esclarecendo que a adesão desejada era a do coração sincero e puro, para sempre,às claridades do seu reino. Iniciou-se naquele instantea eterna união dos inseparáveis companheiros.
Na tarde desse mesmo dia, o Mestre fez a primeira pregação da Boa-Nova na praça ampla cercada de verdura e situada naturalmente junto às águas.
No céu, vibravam harmonias vespertinas, como se a tarde possuísse também uma alma sensível. As arvores vizinhas acenavam os ramos verdes ao vento do crepúsculo, como mãos da Natureza que convidassem os homens celebração daquele primeiro ágape. As aves ariscas pousavam de leve nas alcaparreiras mais próximas, como se também desejassem senti-lo, e na praia extensa se acotovelava a grande multidão de pescadores rústicos, de mulheres aflitas por continuadas flagelações, de crianças sujas e abandonadas, misturados publica aos pecadores com homens analfabetos e simples que haviam acorrido, ansiosos por ouvi-lo.
Jesus contemplou a multidão e enviou-lhe um sorriso de satisfação. Contrariamente às ironias de Hanan, ele aproveitaria o sentimento como mármore precioso e a boa vontade como cinzel divino. Os ignorantes do mundo, os fracos, os sofredores, os desalentados, os doentes e os pecadores seriam em suas mãos o material de base para a sua construção eterna e sublime. Converteria toda miséria e toda dor num cântico de alegria e, tomado pelas inspirações sagradas de Deus, começou a falar da maravilhosa beleza do seu reino. Magnetizado pelo seu amor, o povo o escutava num grande transporte de ventura. No céu, havia uma vibração de claridade desconhecida.
Ao longe, no firmamento de Cafarnaum, o horizonte se tornara um deslumbramento de luz e, bem no alto, na cúpula dourada e silenciosa, as nuvens delicadas e alvas tomavam a forma suave das flores e dos arcanjos do Paraíso.
Irmão X - Humberto de Campos
Do livro Boa Nova. Psicografia de Francisco Cândido Xavier.


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publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 03:03
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Terça-feira, 20 De Janeiro,2009

O FAROLEIRO DESPREVENIDO

O soldado Teofrasto, homem de excelente coração, fora nomeado faroleiro por Alcebíades, na expedição da Sicília, a fim de orientar as embarcações em zona perigosa do mar.
Por ali, rochedos pontiagudos esperavam sem piedade as galeras invigilantes. Ainda mesmo fora da tempestade, quando a fúria dos deuses não soprava sibilante sobre a Terra, derribando casas e arvoredo, os pequenos e grandes barcos eram como que atraídos aos penhascos destruidores, qual ovelhas precipitadamente conduzidas ao matadouro.
Quantos viajantes havia já perdido a vida e os bens na traiçoeira passagem? Quantos pescadores incautos não mais regressaram à benção do lar? Ninguém sabia.
Preservando, porém, a sorte de seus comandados, o grande general situou Teofrasto no farol que se erguia na costa, com a missão de iluminar o caminho equóreo, dentro da noite. Para garantir-lhe o êxito, mandou-lhe emissários com vasta provisão de óleo puro. O servidor, honrado com semelhante mandato, permaneceria no ministério da luz contra as trevas, defendendo a salvação de todos os que transitassem pelas águas escuras.
De início, Teofrasto desenvolveu, sem dificuldade, a tarefa que lhe competia. Findo o crepúsculo, mantinha a luz acesa, revelando a rota libertadora.
Quando os vizinhos, porém, souberam que o soldado guardava um coração terno e bondoso, passaram a visitá-lo, amiúde. Realmente estimavam nele a cordialidade e a doçura, mas o que procuravam, no fundo, era a concessão de óleo destinado às pequenas necessidades que lhes eram próprias.
O soldado, a breve tempo, era cercado de envolventes apelos.
Antifon, o lavrador, veio pedir-lhe meio barril do combustível para os serões de sua fazenda. Eunice, a costureira, rogou-lhe duas ânforas cheias para terminar a confecção de algumas túnicas, além das horas do dia.
Embolo, o sapateiro, alegando que o pai agonizava, implorou-lhe a doação de alguns pratos de azeite, a fim de que o genitor não morresse às escuras. Crisóstomos, o fabricante de ungüentos, reclamou cinco potes destinados à manipulação de remédios. Cor Ciro, o negociante, implorou certa cota mais elevada para sustento de algumas tochas.
Todos os afeiçoados das redondezas, interessados em satisfazer as exigências domésticas, relacionaram solicitações simpáticas e comoventes.
Teofrasto, atingido na sensibilidade, distribuiu o combustível precioso pela ordem das rogativas.
Não podia sofrer o quadro angustioso, afirmava. As requisições, no seu parecer, eram justas e oportunas.
Assim foi que, ao término de duas semanas, se esgotou a reserva de doze meses.
O funcionário não pôde comunicar-se facilmente com os postos avançados de comando e, tão logo se apagou o farol solitário, por várias noites consecutivas os penhascos espatifaram embarcações de todos os matizes.
Prestigiosos contingentes de tropas perderam a vida.
Confiados pescadores jamais tornaram ao ninho familiar.
Comerciantes diversos, portadores de valiosas soluções e problemas inquietantes da luta humana, desceram aflitos ao abismo do mar.
Alcebíades, naturalmente indignado, exonerou o servidor do elevado encargo, recomendando lhe fosse aplicado às penas da lei.
O médium cristão é sempre um faroleiro com as reservas de óleo das possibilidades divinas, a benefício de todos os que navegam a pleno oceano da experiência terrestre, indicando-lhes os rochedos das trevas e descerrando-lhes o rumo salvador: todavia, quantos deles perdem a oportunidade de serviço vitorioso pela prisão indébita nos casos particulares que procedem geralmente de bagatelas da vida?

"Livro:" Contos e Apólogos "- Psicografia Francisco C. Xavier- Espírito Irmão X".
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publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 20:26
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Sábado, 10 De Janeiro,2009

ESPIRITISMO E DIVULGAÇÃO

O excelente advogado Joaquim Mota, espírita de convicção desde a primeira mocidade, possuía ideais muito próprias acerca de pensamento religioso. Extremamente sensível, julgava um erro expor qualquer definição pessoal, em matéria de fé. “Religião – costumava dizer – é assunto exclusivo de consciência”. E fechava-se. Na biblioteca franqueada aos amigos, descansavam tomos em percalina e dourados, reunindo escritores clássicos e modernos, em ciência e literatura. Conservava, porém, os livros espíritas isolados em velha cômoda do espaçoso quarto de dormir. Não agia assim, contudo, por maldade. Era, na essência, um homem sincero e respeitável, conquanto espírita à moda dele, sem a menor preocupação de militança. Espécie de ilha amena, cercada pelas correntes do comodismo. Encasquetara na cabeça o ponto de vista de que ninguém devia, a título algum, falar a outrem de princípios religiosos que abraçasse, e prosseguiu, vida a fora, repelindo qualquer palpite que o induzisse à renovação.
Era justamente a esse homem que fôramos confortar, dentro da noite.
Mota vinha de perder a companhia de Licínio Fonseca, recentemente desencarnado, o amigo que lhe partilhara vinte e seis anos de serviço no foro. Ambos amadurecidos na existência e na profissão, após os sessenta de idade, eram associados invariáveis de trabalho e de luta. Juntos sempre nos atos jurídicos, negócios, interesses, férias e excursões.
Sem o colega ideal, baqueara Mota em terrível angústia. Trancava-se em lágrimas, no aposento íntimo, ansiando vê-lo em espírito... E tanto rogou a concessão, em preces ocultas, que ali nos achávamos, em comissão de quatro cooperadores, com instruções para levá-lo ao companheiro.
Desligado cautelosamente do corpo, que se acomodara sob a influência do sono, embora não nos percebesse o apoio direto, foi Joaquim transportado à presença do amigo que a morte arrebatara.
No leito de recuperação do grande instituto beneficente a que fora recolhido, no Mundo Espiritual, Licínio chorou de alegria ao revê-lo, e nós, enternecidos, seguimos, frase a frase, o diálogo empolgante que se articulou, após o júbilo extrovertido das saudações.
- Mota, meu caro Mota – soluçou o desencarnado, com impressionante inflexão -, a morte é apenas mudança... Cuidado, meu amigo! Muito cuidado!... Quanto tempo perdi, em razão de minha ignorância espiritual!!... Saiba você que a vida continua!...
- Mas eu sei disso, meu amigo – ajuntou o visitante, no intuito de consolá-lo -, desde muito cedo entrei no conhecimento da imortalidade da alma. O sepulcro nada mais é que a passagem de um plano para outro... Ninguém morre, ninguém...
- Ah! você sabe então que o homem na Terra é um Espírito habitando provisoriamente um engenho constituído de carne? Que somos no mundo inquilinos do corpo? – indagou Licínio, positivamente aterrado.
- Sei, sim...
- E você já foi informado de que quando nascemos, entre os homens, conduzimos ao berço as dívidas do passado, com determinadas obrigações a cumprir?
- De modo perfeito. Muito jovem ainda, aceitei o ensinamento e a lógica da reencarnação...
- Mota!... Mota!... – gritou o outro visivelmente alterado – você já consegue admitir que nossas esposas e filhos, parentes e amigos, quase sempre são pessoas que conviveram conosco em outras existências terrestres? Que estamos enleados a eles, frequentemente, para o resgate de antigos débitos?
- Sim, sim, meu caro, não apenas creio... Sei que tudo isso é a verdade inconteste...
- E você crê nas ligações entre os que voltam para cá e os que ficam? Você já percebe que uma pessoa na Terra vive e respira com criaturas encarnadas de obsessão, entre os chamados vivos e mortos, raiando na loucura e no crime?!...
- Claramente, sei disso...
O interlocutor agarrou-lhe a destra e continuou, espantado:
- Mota! Mota! Ouça!... Você está certo de que a vida aqui é a continuação do que deixamos e fazemos? já se convenceu de que todos os recursos do plano físico são empréstimos do Senhor, para que venhamos a fazer todo o bem possível e que ninguém, depois da morte, consegue fugir de si mesmo?...
- Sim, sim...
Nesse instante, porém, Licínio desvairou-se. Passeou pelo recinto o olhar repentinamente esgazeado, fêz instintivo movimento de recuo e bradou:
- Fora daqui, embusteiro, fora daqui!...
O visitante, dolorosamente surpreendido, tentou apaziguá-lo:
- Licínio, meu amigo, que vem a ser isso? acalme-se, acalme-se... – Sou eu, Joaquim Mota, seu companheiro do dia-a-dia...
- Nunca! Embusteiro, mistificador!... Se ele conhecesse as realidades que você confirma, jamais me teria deixado no suplício da ignorância... Meu amigo Joaquim Mota é como eu, enganado nas sombras do mundo... Ele foi sempre o meu melhor irmão!... Nunca, nunca permitiria que eu chegasse aqui, mergulhado em trevas!...
Mota, em pranto, intentava redarguir, mas interferimos, a fim de sustar o desequilíbrio e, para isso, era preciso afastá-lo de imediato.
Mais alguns minutos e o advogado reapossou-se do corpo físico. Nada de insegurança que o impelisse à ideia de sonho ou pesadelo. Guardava a certeza absoluta do reencontro espiritual. Estremunhado, ergueu-se em lágrimas e, sequioso de ar puro que lhe refrigerasse o cérebro em fogo, abriu uma das janelas do alto apartamento que lhe configurava o ninho doméstico.
Mota contemplou o casario compacto, onde, talvez, naquela hora, dezenas de pessoas estivessem partindo da experiência passageira do mundo para as experiências superiores da Vida Maior e, naquele mesmo instante da madrugada, começou a pensar, de modo diferente, em torno do Espiritismo e da sua divulgação.

Livro Cartas e Crônicas - Espírito Irmão X - Psicografia Francisco C. Xavier
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publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 17:42
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Quinta-feira, 18 De Dezembro,2008

NA GLÓRIA DO NATAL

Senhor -- rei divino projetado às sombras da manjedoura -, diante do teu berço de palha recordo-me de todos os conquistadores que te antecederam na Terra.
Em rápida digressão, vejo Sesóstris, em seu carro triunfal, pisando escravos e vencidos, em nome do Egito sábio, e Cambises, rei dos persas, ocupando o vale do Nilo, antes poderoso e dominador.
Reparo as lutas sanguinolentas dos assírios, disputando a hegemonia do seu império dividido e infeliz.
Nabopolassar e Nabucodonosor reaparecem à minha frente, arrasando Nínive e atacando Jerusalém, cercados de súditos a se banquetearem sobre presas misérrimas para desaparecerem, depois, num sudário de cinza.
Não observo, contudo, apenas o gentio, na pilhagem e na discórdia, expandindo a própria ambição; o povo escolhido, apesar dos desígnios celestes que lhes fulguram na lei, entrega-se, de quando em quando, à sementeira de miséria e ruína; revoluções e conflitos ceifam as doze tribos e orgulho desvairado compele irmãos ao extermínio de irmãos.
Revejo os medas, açoitados pelos cimerianos e citas.
Dario surge, ao meu olhar assombrado, envolvido nos esplendores de Persépolis para mergulhar-se, em seguida, nos labirintos do túmulo.
Esparta e Atenas, entre códigos e espadas, se estraçalham mutuamente, no impulso de predomínio; numerosos tiranos, dentro de seus muros, manobram o cetro da governança, fomentando a humilhação e o luto.
Alexandre, à maneira de privilegiado, passa esmagando cidades e multidões, deixando um cortejo de lágrimas, atrás da fanfarra guerreira que lhe abre caminho à morte, em plena mocidade.
E os romanos, Senhor? Desde as alucinações dos descendentes de Príamo ao último dos imperadores, deposto por Odoacro, jamais esconderam a vocação do poder, arrojando povos livres ao despenhadeiro da destruição ...
Todos os conquistadores vieram e dominaram, surgindo na condição de pirilampos barulhentos, confundidos, à pressa, num turbilhão de desencanto e poeira, mas Tu, Soberano Senhor, te contentaste com o berço da estrebaria!
Ministros e sábios não te contemplaram, na hora primeira, mas humildes pastores ajoelharam, sorridentes, diante de Ti, buscando a luz de teus olhos angelicais ...
Hinos de guerra não se fizeram ouvir à tua chegada libertadora; todavia, em sinal de reconhecimento, cânticos abençoados de louvor subiram ao Céu, dos corações singelos que te exaltavam a Estrela Gloriosa, a resplandecer nos constelados caminhos.
Os outros, Senhor, conquistaram à custa de punhal e veneno, perseguição e força, usando exércitos e prisões, assassínio e tortura, traição e vingança, aviltamento e escravidão, títulos fantasiosos e arcas de ouro ...
Tu, entretanto, perdoando e amando, levantando e curando, modificaste a obra de todos os déspotas e legisladores que procediam do Egito e da Assíria, da Judeia e da Fenícia, da Grécia e de Roma, renovando o mundo inteiro.
Não mobilizaste soldados, mas ensinaste a um punhado de homens valorosos a luminosa ciência do sacrifício e do amor. Não argumentaste com os reis e com os filósofos; no entanto, conversaste fraternalmente com algumas crianças e mulheres humildes, semeando a compreensão superior da vida no coração popular ...
E por fim, Mestre, longe de escolheres um trono de púrpura a fim de administrares o Reino Divino de que te fizeste embaixador e ordenador, preferiste o sólio da cruz, de cujos braços duros e tristes ainda nos endereças compassivo olhar, convidando-nos à caridade e à harmonia, ao entendimento e ao perdão ...
Conquistador das almas e governador do mundo, agora que os teus tutelados afiam as armas para novos duelos sangrentos, neste século de esplendores e trevas, de renovação e morticínio, de esperanças e desilusões, ajuda-nos a dobrar a cerviz orgulhosa, diante do teu berço de palha singela! ...
Mestre da Verdade e do Bem, da Humildade e do Amor, permite que o astro sublime de teu Natal brilhe, ainda, na noite de nossas almas e estende-nos caridosas mãos para que nos livremos de velhas feridas, marchando ao teu encontro na verdadeira senda de redenção.
IRMÃO X
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publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 01:46
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